São Paulo, sábado, 26 de março de 1994
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"Cidade sem Janelas" encerra com sucesso

CARLOS UCHÔA FAGUNDES JR.
ESPECIAL PARA A FOLHA

O velho Matadouro de Vila Mariana transformou-se no novo hit cultural de São Paulo. A exposição "A Cidade sem Janelas", que se encerra amanhã com uma performance de dança de Susana Yamauchi, foi um sucesso desde a inauguração. A abertura do evento, no último dia 11, foi uma apoteose onde a imensa massa humana formava um continuum com os trabalhos de arte.
Sob a iniciativa da Secretaria de Estado da Cultura e com curadoria de Nelson Brissac Peixoto e Agnaldo Farias, os galpões corroídos ganharam um projeto paradoxal: um evento "alternativo" feito pelo Estado. Deslocadas para fora do circuito "oficial", as artes puderam criar interações inimagináveis.
Animado, o artista plástico Carlos Fajardo comenta: "O evento traz uma novidade com a intervenção de artistas de várias áreas. Foi uma troca boa, que eu nunca tinha experimentado e o Brasil não está acostumado. A curadoria foi muito feliz, juntando o impossível."
No mesmo tom, o escultor José Resende arremata: "O que me satisfaz é que dificilmente as artes plásticas servem como suporte para outras manifestações. Aqui, todas as outras áreas tiveram que enfrentar um caráter plástico e isso foi produtivo. O espaço inusitado contribuiu para a força do evento. Seu mérito foi o de retirar a arte da posição habitual dos espaços oficiais. A ação estatal está se realizando num tempo restrito, o secretário Ricardo Ohtake assumiu no fim do mandato. Essa emergência faz com que uma ação pontual seja feita sob pressão e isso é bom. Foi uma ação oportuna e esperta."
O músico e poeta Arnaldo Antunes completa: "O público valorizou a idéia de espetáculo que já estava nas nossas discussões. Queríamos que virasse uma espécie de parque de diversões, com o trânsito entre os trabalhos mostrando vários planos de interação."
Contentes com o resultado, os artistas esperam uma repercussão no circuito. Arnaldo Antunes lança o desafio: "A própria iniciativa privada devia patrocinar eventos desse tipo, fora do circuito habitual, dando mais espaço para o encontro entre linguagens". E Nelson Brissac, um dos curadores, alfineta: "O sucesso do evento mostra a timidez dos promotores culturais autônomos. Serve de exemplo. O Estado está aí não para criar o mainstream, mas o inesperado. A política cultural deve detonar esses processos e não tutelar a produção".
O cineasta André Klotzel diz que para ele a experiência foi muito divertida: "Permitiu-me trabalhar com artistas com os quais eu dificilmente teria contato, pessoas com pouca linguagem em comum. Surpreende que tenha formado um conjunto. As conversas iniciais eram muito disparatadas". E completa: "O resultado para o circuito virá quando as iniciativas se ampliarem".
Brissac diz que o objetivo era ocupar um espaço desconhecido para a cidade. "E isso aconteceu com a maior poesia. Será difícil ocupar de novo este espaço com a mesma força. Foi importante ver como a arte ganha energia quando ela se confronta com a cidade. Mostra que a arte depende desse corpo-a-corpo com a paisagem urbana. Até agora a arte ficou acantonada em lugares muito seguros, abandonou a cena da cidade. A estréia reproduziu a situação metropolitana do encontro de tribos."
O evento do Matadouro é o primeiro de três. O próximo, em agosto, será no alto de prédios do centro da cidade. O terceiro, na Estação Júlio Prestes, em novembro, tratará da cidade e suas histórias.

Evento: A Cidade sem Janelas
Programação: Performance de dança de Susana Yamauchi
Quando: hoje e amanhã, às 21h
Onde: antigo Matadouro Municipal, Largo Senador Raul Cardoso, 207, Vila Mariana (zona sul)

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