São Paulo, sábado, 26 de março de 1994 |
Texto Anterior |
Próximo Texto |
Índice
Stoklos encena Narciso em novo espetáculo
NELSON DE SÁ
Um teatro, não de Dionísio, mas de Narciso. No caso, antes e durante a cena. Antes, por conta de um vídeo que mostrou passagens da atriz em diversos países onde se apresentou. Em todas elas, algum elogio ou auto-elogio. Senão pelas palavras de algum crítico, então de algum artista local. Ou ainda pelo patético registro do que teria sido a duração dos aplausos, depois de uma ou outra apresentação (dez minutos na Suíça, 15 minutos na Argentina etc.). Mas, apesar do constrangimento, não estava no vídeo o problema. Escrito, dirigido, musicado, narrado, declamado, interpretado por Denise Stoklos, o espetáculo carrega um pouco além da conta na sua pregação aos mortais. Concentrando-se num casal de amantes –ambos feitos por ela, obviamente– "Amanhã Será Tarde" é a história de um grande amor e de como todo o resto do mundo, que teria uma vida medíocre, deve seguir o exemplo. Não bastasse a autoveneração e o simplismo, a verdade é que o grande amor apresentado em "Amanhã Será Tarde e Depois de Amanhã Nem Existe" não cola. Afinal, não são personagens que ela está representando. Não são amantes, um e outro com suas características próprias. Antes, são arquétipos de amantes, ou amantes em sua essência, para ficar no vocabulário da autora, diretora, compositora, narradora e atriz. Amantes cujas pernas querem ser as pernas de todos os amantes, cujo olhar quer ser o olhar de todos os amantes etc. Uma impessoalidade que se evidencia, acima de tudo, na alegoria estilizada dos dois amantes no ato sexual –sempre Denise Stoklos sozinha, é óbvio. E não precisava ser assim. Denise Stoklos não é nenhuma chata. Como intérprete, ela é muito mais uma comediante do que uma atriz trágica ou melodramática. Seu humor, que atravessa a apresentação inteira trombando com seu narcisismo, lembra muito o de Marília Pera e o de Marisa Orth. É sobretudo escrachado, desrespeitoso da menor seriedade, acintoso diante da pompa, qualquer que seja. Um humor que não concorda com nada que seja absoluto ou "essencial" –como ela descreve seu teatro. É o humor que garante, ao fim e ao cabo, as palmas para "Amanhã Será Tarde e Depois de Amanhã Nem Existe". Não os efeitos cansados da expressão corporal –por mais que impressione o corpo de triatleta– mas a repetição insistente de palavras e frases, cada vez de forma diferente, com crescente hilaridade. Não é à toa que a produção, como vai ficando claro aos poucos, é dividida em esquetes, como num show cômico, como em "Um Orgasmo Adulto". Denise Stoklos talvez nem goste mais, mas a verdade é que continua bem engraçada. Não deixa de ser uma pena que a grande atriz tenha desistido de interpretar grandes personagens, para concentrar-se em seu umbigo e fazer elogios à sua grande perfeição. Dele, umbigo. Um caminho que nega a própria essência do teatro, ainda para ficar no vocabulário de Denise Stoklos. Ela não espelha mais os seres mortais no palco. Tanto que, quando fala num grande amor, não cola. O grande amor só aparece mesmo quando escracha e, carinhosamente, faz rir. Texto Anterior: Comparações procedem Próximo Texto: Bienal da Dança de Lyon tem convidados brasileiros Índice |
Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress. |