São Paulo, domingo, 27 de março de 1994
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Militares desautorizam Itamar

JOSIAS DE SOUZA
DIRETOR-EXECUTIVO DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

O STF (Supremo Tribunal Federal) abriu diálogo direto com os ministros militares. Os ministros do tribunal foram informados de que as Forças Armadas querem uma solução negociada para o impasse salarial que azeda as relações entre os três Poderes. Os militares desaprovam a tática do confronto, adotada pelo presidente Itamar Franco e por alguns de seus auxiliares diretos.
Valendo-se da intermediação do procurador-geral da República, Aristides Junqueira, os ministros do Supremo sondam os militares desde a última sexta-feira. Estavam inquietos com o burburinho gerado pela crise. Queriam certificar-se de que o país não corria riscos de uma intervenção militar. Foram tranquilizados.
Aristides esteve sexta-feira com o almirante Mario César Flores, secretário de Assuntos Estratégicos, e com o general Fernando Cardoso, chefe do Gabinete Militar da Presidência. Foram conversas longas e separadas, no próprio Palácio do Planalto. Flores e Cardoso disseram que os militares não estão por trás da teimosia de Itamar.
Desde a última terça-feira, Itamar recusou quatro propostas de entendimento. Uma delas o colocava na posição de vitorioso. Bastaria que desse nova redação à medida provisória que criou a URV. Com uma lei nova, congressistas e juízes revogariam o aumento de 10,94% que se autoconcederam, exatamente como deseja o governo.
Aristides pretendia encontrar-se ontem com Zenildo de Lucena, ministro do Exército. Zenildo é um entusiasta da idéia do entendimento. Reservadamente, confessa não entender o comportamento do presidente. Acha que a conciliação já poderia ter sido feita desde a metade da semana passada.
A preocupação dos juízes do STF cresceu na manhã de sexta-feira. Naquele dia, um dos ministros do Supremo, Carlos Mario Velloso, concordou em receber em sua casa o advogado José de Castro Ferreira, presidente da Telerj e consultor jurídico de cabeceira de Itamar.
A volta da farda
Após uma semana de ebulição, esperava-se que José de Castro fosse portador de uma proposta de entendimento. Mas, contrariando a expectativa unânime, o auxiliar do presidente pôs mais lenha no fogo que consome as relações dos três Poderes há dez dias.José de Castro disse a Velloso que Itamar respeita o STF. Mas a parte da conversa que mais impressionou o seu interlocutor foi o trecho em que tratou dos militares. Num instante em que todas informações, mesmo antes das sondagens de Aristides, indicavam a disposição conciliadora dos quartéis, o presidente da Telerj repôs a farda no centro do problema.
Ele disse a Carlos Velloso que o presidente se insurgiu contra o aumento de 10,94% que juízes e congressistas se autoconcenderam em função da insatisfação dos ministros militares. Utilizou imagens fortes. Afirmou que muitos oficiais estão retirando os filhos de escolas particulares por falta de dinheiro para arcar com mensalidade.
O auxiliar do presidente foi ainda mais dramático: disse que há militares na contingência de morarem em favelas. Mais tarde, Velloso relataria o diálogo aos companheiros de toga. Houve generalizada estupefação. Manteve-se, ainda assim, reunião já marcada, para mais uma tentativa de diálogo.
No início da noite de sexta-feira, como fora previamente acertado, o presidente da Câmara, Inocêncio Oliveira, e o procurador Aristides Junqueira foram ao Supremo, para um encontro com o presidente do tribunal, Octávio Gallotti.
Na conversa, mais uma entre as tantas realizadas durante a semana, buscavam-se fórmulas para o consenso. Foi nesse encontro que Aristides prestou contas da sondagem que havia feito no meio militar. Súbito, chegou à reunião a informação de que o ministro da Justiça, Maurício Corrêa, iria à televisão. Falaria sobre a crise, em nome do presidente.
A última nota
Bem antes, na hora do almoço, Itamar passava instruções a Corrêa, nomeado seu porta-voz meio a contragosto. Ainda sobre a mesa em que Itamar havia consumido frango refogado, arroz, feijão e salada de legumes, o ministro discutiu com o chefe os termos do que seria sua fala.
A participação de Corrêa na elaboração da nota se extinguiria ali. O texto que o ministro leria à noite na TV não teve a sua caligrafia. Foi preparado longe de suas vistas, a várias mãos, pelos auxiliares mais diretos de Itamar. Foi retocado, por exemplo, por Mauro Durante (secretário-geral da Presidência) e pelo mesmo José de Castro que, pela manhã, deixara assustado o juiz Carlos Velloso.
No instante em que o semblante de Maurício Corrêa invadiu a TV instalada na sala de Gallotti, o quórum da reunião iniciada cerca de duas horas antes havia sido reforçado. Vários outros ministros estavam no local, especialmente para ouvir o que Corrêa tinha a dizer.
Os ministros Carlos Velloso, Moreira Alves, Néri da Silveira e Celso de Mello irritaram-se especialmente com o trecho em que Corrêa os classifica de setores "privilegiados". Gallotti, Junqueira e Inocêncio também detestaram a referência.
O que causou maior espanto, porém, foi o trecho em que Corrêa comunicou a decisão de Itamar de aguardar que o STF julgue mandado de segurança em que os servidores do Congresso pedem o pagamento dos 10,94%. O ministro disse que o governo aguarda a "decisão serena" do tribunal.
Os ministros preferiam que, em vez de "serena", o ministro tivesse dito "soberana". Acham que a nota do Planalto deixou uma brecha para novo desrespeito à decisão do Supremo, a ser tomada nesta segunda-feira.
A fala do ministro sepultou a última tentativa de acordo. Esperava-se ontem por um aceno de Itamar durante o final de semana. O STF não admitia até ontem a hipótese de adiar o julgamento. Se Itamar não transigir, o aumento de 10,94% será transformado amanhã de ato administrativo em decisão judicial.

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