São Paulo, domingo, 27 de março de 1994
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Oficiais lamentam perda de prestígio pós-regime

JOÃO BATISTA NATALI
DA REPORTAGEM LOCAL

Julho de 1988. O então ministro do Exército, Leônidas Pires Gonçalves, garante a seus adjuntos que o governo liberaria US$ 65 milhões para a compra de armamento. O dinheiro nunca saiu. Agosto de 1992. A Marinha é informada de que dispõe de US$ 170 milhões para importar 14 helicópteros ingleses. Mas o governo federal impõe, como condição para a compra, que os fornecedores dêem três anos de carência e oito anos para pagar. O Brasil não tem esse cacife externo e as coisas ficam em banho maria.
São essas algumas das histórias narradas por oficiais superiores para exemplificar a falta de prestígio que, para eles, as Forças Armadas possuem hoje como instituição. "Estamos perdendo operacionalidade e o fosso tecnológico está se alargando", diz à Folha um coronel do Exército, que obviamente pediu para não ser identificado. "Não temos hoje idéia de quais sejam nossos potenciais inimigos. O governo não conceituou nenhuma estratégia de defesa. Estamos à deriva", afirma um capitão-de-mar-e-guerra.
Nove anos após o fim do regime militar e 30 anos depois do Movimento de 1964, os oficiais têm um discurso próprio a uma categoria de servidores públicos que chegou ao fundo do poço. Consideram-se rejeitados por uma sociedade que acreditam terem ajudado a modernizar. Têm consciência de que não conseguem montar um lobby que justifique a razão de existirem na estrutura do Estado.
Mas não é apenas um pessimismo psicológico ou existencial. A questão dos salários é crucial. Um coronel ganha hoje US$ 1.300. Até 1988, um general-de-exército tinha vencimentos equiparados ao de um ministro de tribunal superior. Acabou a isonomia e, com o governo Collor, ressurgiram histórias de tenentes que precisavam completar a renda familiar como motoristas de táxi.
Os atuais generais, almirantes e brigadeiros cresceram na hierarquia com a proposta de "Brasil potência", elaborada no início do governo Médici. Ela implicava na produção autônoma de material de alta tecnologia. Mas a indústria bélica quebrou aos poucos nos anos 80, num processo em que o governo é responsabilizado pelas casernas em razão dos sucessivos cortes no orçamento da defesa.
Uma das consequências imediatas da necessidade de reimportar está no retorno da dependência dos Estados Unidos. Mas o Pentágono não é mais um parceiro privilegiado desde o governo Geisel. Hoje, os Estados Unidos não vêem com bons olhos as tentativas de o Brasil dispor de dois instrumentos autônomos de dissuasão: o submarino nuclear, da Marinha, e o VLS (veículo lançador de satélite), em sua versão de míssil ofensivo, da Aeronáutica. Para este último projeto vem sendo negociada tecnologia russa e chinesa.
Em represália, os Estados Unidos se recusam a fornecer sonares para equipar submarinos brasileiros e recentemente um brigadeiro norte-americano, encarregado de explorar novas áreas de cooperação, conseguiu apenas fechar um pífio acordo de software para meteorologia.
Nesse quadro relativamente claro, resta como incógnita as relações entre as Forças Armadas e o PT. Em dezembro do ano passado, o ministro da Marinha reuniu-se com oficiais da reserva e assustou-se com opiniões favoráveis à candidatura Lula. É o resultado da ofensiva de charme que consiste em prometer mais equipamentos e alta generalizada de vencimentos.
Em contrapartida, no entanto, outros oficiais superiores da reserva defendem, de forma aguerrida, a tese de que um eventual governo petista viraria o jogo institucional. São grupos como o Araucária e o Guararapes. Mas oficiais consultados pela Folha negam se tratar de uma conspiração que poderia desembocar num golpe de Estado. A rigor, se conspirassem, ninguém falaria. Nas conversas, de qualquer modo, a soberania nacional sobre a Amazônia e a demarcação de um território considerado excessivo para os índios ianomâmis parecem mais importantes que o temor esquerdizante encarnado no PT.

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