São Paulo, domingo, 27 de março de 1994
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Terror

MOACYR SCLIAR

Trancado no banheiro, ele ouve os gritos, o barulho dos vidros quebrando, a sirena dos carros da polícia. Ele ouve: mesmo tapando os ouvidos, mesmo enfiando a cabeça na mochila, ele ouve, não consegue deixar de ouvir. E se pergunta: e agora, o que é que eu vou fazer?
Nunca imaginou que isto pudesse acontecer, nunca. Sim, sabia que havia gente violenta em sua escola, como há em tantas outras; mas também acreditava no que a mãe lhe dizia: se você não procurar confusão, a confusão não vai procurar você.
Tinha de acreditar na mãe. Era uma mulher forte, ela, corajosa, mas era sobretudo uma mulher sábia. A vida me ensinou muita coisa, dizia, suspirando, e era verdade: abandonada pelo marido quando o filho ainda era um bebê, tivera de lutar para alimentá-lo, vesti-lo, dar-lhe educação.
Tudo o que eu quero - dizia - é que você estude, se forme, tenha uma profissão. Tudo o que eu quero é que você não seja um marginal como esses que andam por aí, um marginal como seu pai. Você promete que vai estudar direitinho? Você promete que não vai se meter em confusão?
Prometo, ele dizia. E estava sendo sincero. Menino quieto, dedicado aos estudos, ele tinha prazer em levar para casa o boletim com boas notas; tinha prazer em ouvir a professora dizer, na frente de toda a turma, alunos como este são a glória de quem leciona.
Estudava, sim, estudava muito. E, como lhe pedia a mãe, não se metia em confusão. Não queria nada com álcool, não queria nada com droga. Se havia briga, ele se afastava. Aliás, vivia sempre afastado. Os outros riam dele, achavam-no frouxo, mas ele não se importava: desde que não o metessem em confusão, poderiam dizer o que quisessem.
E de repente um incidente, um cara briga com a diretora, e logo a confusão, a correria, e os vidros sendo quebrados - e ele olhando sem entender, apavorado, sem saber o que fazer. Vamos lá, gritam, vamos lá dar porrada, mas ele não quer dar porrada, ele não quer confusão, ele corre para o banheiro e lá se tranca, tremendo.
E agora não sabe o que fazer. Pega o livro de História, tenta ler, como se nada estivesse acontecendo. Mas é inútil, tudo está acontecendo, tudo o que não podia acontecer está acontecendo.
Finalmente, faz-se silêncio. Ele sai do banheiro, corre pelo pátio agora vazio, sai para a rua, chorando. E aí se dá conta de que esqueceu o livro: o livro de História ficou no banheiro.
Mas ele não voltará lá. Por nada neste mundo ele voltará lá. Nunca mais voltará lá.

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