São Paulo, domingo, 27 de março de 1994
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Lorscheider exerce a cidadania contra a revisão

WALTER CENEVIVA
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

Perguntado por esta Folha se a revisão constitucional deveria prosseguir o cidadão Aloisio Lorscheider respondeu seco e direto: "Como está não deve continuar. Nem deve continuar com o Congresso que aí está."
Lorscheider manifestou seu pensamento com muita clareza afirmando a necessidade nacional de pessoas mais sérias para o processo revisional. Tem razão, pois se nota falta de mais pessoas em que o amor à pátria e ao povo seja substancialmente maior que o amor ao próprio bolso.
Essa manifestação de cidadania é importante, independentemente da alta posição de Dom Aloísio na hierarquia católica. Sem vínculo com a empolgação de seu recente sequestro. Tem relevo por si mesma e me dá especial conforto de corresponder a uma posição que tenho defendido há muito tempo, antes mesmo que a própria Ordem dos Advogados do Brasil, à qual pertenço. Por mim a revisão nem sequer teria começado, pois sempre afirmei que era inconstitucional (ante os termos dos artigos 2º e 3º do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias) e ilegítima: via parlamentares em fim de mandato fazendo composições a benefício próprio.
Sempre achei que havia, no apressamento da revisão, aquilo que em sintaxe se chama de sujeito oculto. O leitor pode estar esquecido dessa definição, e, por isso, a recordo: sujeito oculto é o termo ao qual a oração se refere, mas que nela não aparece, embora possa ser identificado, pois é subentendido. O sujeito oculto na revisão era um conjunto de interesses contrários aos do povo e que haviam sido inseridos na Carta de 88. O exemplo mais frisante era o das inelegibilidades. Havia o desejo de abreviar ou extinguir a inelegibilidade dos atuais prefeitos e governadores. O casuismo subverteria o quadro eleitoral de 94.
O sujeito oculto vinha disfarçado por trás dos sujeitos simples e determinados. Aqueles nos quais a quase unanimidade apontava no sentido de corrigir defeitos na Carta de 88. Um deles é de evidente atualidade: em outubro de 1988 muitas das fontes de renda da União foram transferidas para o Estado e para os Municípios, sem a correspondente transferência de muitos dos encargos que continuaram em nível federal. Faltou equilíbrio. A descentralização era necessária –fugindo das decisões tomadas apenas pelo governo federal– mas saiu desequilibrada.
Todavia, os reparos poderiam ser feitos pela emenda, que é um processo mais lento, exige quorum privilegiado de três quintos nas Casas do Congresso, mas tem a grande vantagem de permitir o amplo debate democrático em que todos os interessados são chamados a se manifestarem.
Ao lado de momentos históricos extraordinários, cuja avaliação apropriada o tempo indicará, como os do final do governo Collor e o do escândalo do Orçamento (cujos resultados ainda estão por vir), o Congresso tem mostrado quedas também extraordinárias na respeitabilidade e na falta de bom senso. O cardeal arcebispo de Fortaleza foi levado a perguntar: "se nem fizeram as leis complementares previstas pela Constituição, com que direito querem agora fazer uma revisão que está sendo a formulação de uma nova Constituição. Eles não possuem poder constituinte. Digo com sinceridade que vejo a revisão como algo furado". Eu diria mesmo: furadíssimo.

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