São Paulo, domingo, 27 de março de 1994
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Nuno Ramos expõe seus 'Montes' até hoje

CARLOS UCHÔA FAGUNDES JR.
ESPECIAL PARA A FOLHA

Instalação: Montes
Artista: Nuno Ramos
Quando: até hoje, das 9h às 18h
Onde: Sesc Pompéia (r. Clélia, 93, Lapa - zona oeste, tel. 864-8544)

"Montes" é a instalação que Nuno Ramos está apresentando até hoje no Sesc Pompéia. A mostra tem seu leitmotiv em montes de terra, breu e sal, que tomam vida a partir do fogo que é aceso em seu interior, fazendo-os arder como fornos. Esse calor interno expõe uma possibilidade real, que o acúmulo de matéria, os "montes", como volume, têm na prática: uma potência expansiva que vem do cerne inanimado. Toda matéria sólida, agrupada num monte, tem a estabilidade perene de uma montanha, estática por natureza, mas também guarda em si a explosividade de um vulcão mudo, uma força centrífuga que nasce da concavidade. Assim a matéria toma vida na percepção do artista.
Ardendo no calor da chama interna, os materiais se transformam e mostram sua pele em sua superfície externa, o resultado dessa potência interior. O breu se derrete em ondas que buscam o chão. O sal forma crostas e estranhas borbulhas. A terra racha ressequida. Como numa reflexão sobre a vida, as pequenas montanhas de Nuno mostram seus afetos íntimos. Reconduzem, em vaivém, interior e exterior. "A pele do conteúdo cai. Depois de muitas peles, o próprio conteúdo cai. Depois o caído cai. Até a aniquilação" - diz o artista Nuno Ramos.
Parafina
Igualmente, qualquer líquido acumulado forma a poça, que é uma espécie de interioridade dilatada. O espelho d'água do Sesc é incorporado ao trabalho como contraponto à matéria contida dos montes. Nele mergulham palavras de parafina, entre-vistas, e emergem superfícies de vidro, que são como gravuras descalcadas sobre montes de areia.
Fotos de montanhas e pedras completam a mostra, que se costura por pequenos textos, versículos, entremeados nas colunas do espaço da instalação.
Incongruência
A exposição lida com isso: o volume, sua estabilidade externa e mobilidade potencial interna. A forma surge do puro acúmulo; é inabalável, sem nenhum artifício que a construa. O fogo, o calor, é o impulso de injetar-lhe potência e expor a incongruência entre volume e superfície: separação entre a pele e o nervo.
"Quem tornará a palavra tão pesada quanto a montanha", pensa Nuno. Pensa como poeta, busca o arrebatamento da Musa, mas pensa plasticamente. Palavras são corpos, volumes, entidades. E se inquieta com "o que a arte pode, e o que ela quer poder". Como a mulher de Lot –a mulher que, durante a fuga de Sodoma, transforma-se em estátua de sal–, o artista não pode olhar para trás. Prossegue perguntando. E sua resposta é sempre indagação. O que a arte pode em nós?

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