São Paulo, domingo, 27 de março de 1994
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Um exemplo para toda a Igreja

ANTONIO ERMÍRIO DE MORAES

Certamente, não estou entre os telespectadores mais fanáticos. O meu tempo é curto. Limito-me a assistir os telejornais, alguns debates e –infalivelmente– os jogos do meu querido Corinthians...
Fiquei comovido, outro dia, ao ver o programa "Gente que Faz". Foi sobre a região do Cariri, no Ceará, onde fica o Crato. Conheço bem a área. E também o seu povo. Gente de fibra. Pessoal trabalhador. Animado.
O que me tocou foi poder apreciar o maravilhoso trabalho de um velho padre que, como amante da música, ensinou solfejo e harmonia para os lavradores da região com as quais formou uma respeitável orquestra sinfônica e um belo coral. São pessoas de pouca instrução, mas que, com o devido estímulo, se revelaram verdadeiras virtuoses, tocando e cantando belíssimas peças do difícil repertório clássico.
Foi emocionante ouvir o eco dos acordes de Bach e Mozart lá nos confins do sertão cearense, executados por gente sofrida, mas gente que ganhou na música uma importante fonte de satisfação e paz interior.
Fiquei pensando comigo mesmo: Num momento em que se fala tanto em cidadania, por que a maioria dos padres não se dedica a esse tipo de atividade? O padre Agio confirmou que sempre é possível construir uma obra útil –por mais desprotegidas e desamparadas que sejam a região e as pessoas. Se dá para fazer isso lá no Crato, por que não fazer o mesmo nos bairros de São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte?
De uns anos para cá, o Brasil entrou numa fase em que destruir virou o principal trampolim para o carreirismo político. Hoje em dia, são poucos os que erguem a sua reputação com base em obras positivas. Eles preferem o lado negativo, a crítica e a destruição. É mais rápido. Cansa menos.
Fala-se muito em emprego. Não há dúvida de que o Brasil precisa ampliar as suas minguadas oportunidades de trabalho. Mas para tanto é fundamental construir. Criticar é fácil. Fazer é difícil. É muito cômodo atacar os que fazem. O incômodo é arriscar os seus próprios recursos.
O padre Agio provou ser sempre possível melhorar a vida das pessoas quando se trabalha no sentido de afastar o ódio e cultivar o amor. No momento em que os brasileiros mais aquinhoados se põem a brigar no mundo da política, em busca de interesses egoístas –chegando até aos tapas, como foi o caso dos deputados federais na última quinta-feira– é animador ver uma alma pacífica– como a daquele sacerdote –inteiramente dedicada à tarefa de construir, pouco se importando com as centenas de pessoas que insistem em destruir.
Como seria bom se toda a Igreja pudesse repetir e multiplicar o rico exemplo do padre Agio. Oxalá as bênçãos de Deus venham iluminar a mente de nossos sacerdotes. Com isso, certamente, teremos um Brasil melhor, com poucas crianças nas ruas, menos Febems e com uma juventude sadia e sem revolta.

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