São Paulo, segunda-feira, 28 de março de 1994
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A emenda do deputado Goldman sobre petróleo

ALBERTO GOLDMAN

Curioso como tem gente incapaz de analisar a questão do petróleo, no Brasil, sem preconceitos, sob o prisma das condições específicas do país, sua evolução e sua realidade econômica e social. Assim alinham-se aos modelos externos –ou os rejeitam– como se algum deles pudesse ser o que de melhor –ou pior– pudesse ocorrer em nosso país.
As citações que se referem à Inglaterra e à sra. Tatcher, à Argentina ou à Venezuela servem para justificar seja a existência ou a inexistência dos monopólios, a exclusividade estatal ou a participação privada, conforme a "ideologia" do analista, defensor empedernido da empresa estatal, primeira e única, ou do mercado como panacéia para todos os males da sociedade.
Outra característica desta pobreza no debate nacional está na cobrança de "coerência" dos que ousam dizer que hoje não é possível repetir o mesmo que se dizia há 40 anos. O fato é que se naquele tempo o monopólio do petróleo era necessário, uma análise crítica os obriga a pensar se hoje ele corresponde às necessidades do país.
A questão está em que a exploração do petróleo ainda é vista por muitos não como obtenção de um bem estratégico do qual a sociedade não pode prescindir, mas como um embate ideológico.
Na década de 50, somente o Estado brasileiro, através de uma empresa estatal, poderia iniciar em larga escala o processo de exploração do petróleo em nosso país. A Petrobrás, como outras estatais, foi fundamental para que o país construísse a importante infra-estrutura que acabou por permitir o crescimento da economia brasileira. Se isso foi verdade, a partir da década de 80 esse modelo se esgotou.
Não só a capacidade de investimentos do Estado brasileiro se tornou quase nula, como as empresas estatais (pela inexistência da competição e pela dimensão que adquiriram) passaram a ser gerenciadas como um objetivo em si e para si mesmo, vale dizer, descoladas da própria sociedade que as fez nascer. De fato, o que se produziu foi a redução do papel de controle e gestão do Estado, e o crescimento do papel das empresas estatais, além e acima dos interesses da comunidade. Estas adquiriram vida própria, uma ampla esfera de autonomia dirigida a satisfazer as suas próprias necessidades e os interesses privados que giram em seu redor, constituindo este conjunto uma reserva de trabalho, de renda e de mercado.
Não se trata de reduzir a presença do Estado na vida da sociedade, trata-se de devolver a ele o seu necessário caráter público que não pode ser exercido por qualquer empresa, seja ela estatal ou privada.
Trata-se de afirmar a responsabilidade do Estado em prover serviços públicos ou bens fundamentais através dos instrumentos que a realidade lhe indicar. Nos dias atuais o indicado é fazê-lo com a participação de todos os capitais disponíveis, públicos e privados, internos e externos. Nenhum dogma, estatista ou neoliberal, deve nos impedir de encontrar os meios para que possamos reconstruir e ampliar a infra-estrutura do país, essencial para a retomada do crescimento econômico.
No caso específico do petróleo, ele é nosso e vai continuar sendo. A Constituição de 88 afirma que o subsolo é propriedade da União. Continuará sendo. O petróleo é bem de toda a sociedade, não de qualquer empresa. Estabelecer um monopólio de alguém, ainda que estatal, impede desnecessariamente o aumento da produção.
O que desejamos é a União responsável pelo abastecimento dos derivados de petróleo, sua exploração sendo feita por capitais estatais e privados, através de concessões definidas em uma lei específica e produto de licitações públicas. Quem quiser investir em alguma área de exploração, inclusive a Petrobrás, que vença a concorrência. E o refino, a importação, a exploração e o transporte devem ser feitos livremente, abrindo a atividade à competição.
A Petrobrás já atingiu a sua maioridade. Se é eficiente, poderá prescindir da proteção de seu progenitor, o Estado brasileiro. Só assim poderá melhorar a performance e servir bem à sociedade. Sua existência é necessária, não só porque os capitais privados não serão suficientes, como somente sua presença pode evitar a formação de cartéis que se constituem em qualquer setor da economia. Será bom para o país e para ela mesma. Certamente a obrigará a eliminar suas distorções, cada vez mais gritantes (ou a insalubridade conquistada pelos seus funcionários de escritório, não é?) para poder competir com as empresas privadas.
O sistema que propomos mantém a responsabilidade e o controle da União na exploração do petróleo, exige a manutenção da Petrobrás e garante a participação dela e dos capitais privados, dando aos futuros governos flexibilidade para decidir conforme a vontade da sociedade, que é expressa pelas urnas. E atrás desta proposta está apenas o interesse nacional.

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