São Paulo, segunda-feira, 28 de março de 1994
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Não às subvenções sociais

ALDAÍZA SPOSATI

A varredoura do entulho autoritário não havia chegado ao Conselho Nacional de Serviço Social (CNSS) até a promulgação da Lei Orgânica da Assistência Social (Loas). Esse Conselho liberou discutidas subvenções a organizações "fantasmas", usando-as como veículo para a prática da corrupcão e do clientelismo de parlamentares. O CNSS vinha se prestando ainda a fornecer isenções de impostos para importações de equipamentos para grandes organizadores. O título de utilidade pública era fornecido para entidades pouco voltadas à atenção da pobreza brasileira. É de espantar que, por exemplo, a Fundação Roberto Marinho necessite de subvenção social do governo. Afinal, em 55 anos de existência a sociedade brasileira nunca soube o que acontecia de fato no CNSS.
Agora, o furo de reportagem: o CNSS acabou legalmente! A Lei Federal 7842/93 o extinguiu e a Loas foi finalmente promulgada graças à luta de organismos, como o Conselho Federal de Serviço Social; dos trabalhadores, como os assistentes sociais; e das universidades, como a PUC-SP e a UnB-Neppos. A Loas determina a extinção em 60 dias da LBA, CBIA, Corde ou dos órgãos federais, fundações e poderes paralelos que, ao longo dos anos, não conseguiram unidade em suas ações e, com isso, reduziram resultados, como mostra o Banco Mundial, além de terem impedido uma política transparente de defesa dos direitos sociais dos excluídos. A nova lei determina a descentralização e municipalização das ações da assistência social, colocando-a sob controle da sociedade.
Infelizmente, este avanço legal não tem sido acompanhado de medidas efetivas. O INSS está se negando a dar continuidade à renda mensal vitalícia, auxílio-funeral e auxílio-natalidade da população. Esta corre desesperada às portas das prefeituras quando a responsabilidade de atendê-la é da ministra Leonor Franco, que deve cumprir rapidamente aquilo que é atribuição de seu cargo. É necessário, portanto, reduzir a preocupação pessoal em manter esse ou aquele órgão e agilizar a implantação dos direitos garantidos nos artigos 203 e 204 da Constituição.
Precisamos de uma mudança radical nas relações público/privado na assistência social através da ruptura dos personalismos que se expressam nas figuras dos "homens bons", travestidos no populismo em "boas damas" –as esposas de governantes. Outra condição é acabar com a corrupção, a "pilantropia", o que supõe um posicionamento claro da sociedade civil pela construção da esfera pública, não estatal, na assistência social. Isto significa descentralizar esse aparato estatal, colocando suas práticas sob controle social, e romper com a subserviência da população e das organizações sociais na produção de atenções sociais. É exemplar a conduta de entidades como o Ibase e a Abong na luta pelos direitos sociais, enquanto os dirigentes públicos não promovem programas de apoio à campanha contra a fome, idealizada e conduzida pela sociedade.
Defendo a proposta que extingue as subvenções sociais e os órgãos governamentais voltados para essa função, introduzindo em seu lugar uma política de parceria entre o Estado e a sociedade civil. O caráter público seria afiançado por um programa de trabalho descentralizado para Estados e municípios, assentado em padrões de qualidade e metas transparentes que permitam o controle social. Isto romperia paternalismos e fisiologismos. Ao invés de subvenções, contratos de serviços sem fins lucrativos entre organizações não governamentais e o órgão governamental, garantido o caráter público da ação.
O exemplo da Campanha pela Cidadania, Contra a Miséria e a Fome mostra que é possível e necessário que a ética e a democracia sejam, de fato, pilares de uma política de assistência social. Cabe-nos agora pôr em pé a Loas e garantir a continuidade desta luta.

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