São Paulo, segunda-feira, 28 de março de 1994
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História oral quer registrar vida cotidiana

BERNARDO CARVALHO
DA REPORTAGEM LOCAL

"Todo homem e toda mulher neste país tem uma história para contar sobre a sua própria vida." Com esse mote, a The National Life Story Collection do arquivo sonoro da British Library, em Londres, defende um princípio que vem se disseminando há 20 anos entre Madri e Moscou, e que hoje parece ter fincado o pé definitivamente em São Paulo.
Às 19h, o São Paulo Futebol Clube inaugura, em associação com o Museu da Pessoa –que lançou a idéia de um arquivo de depoimentos autobiográficos no Brasil– o Memorial do Clube, um projeto multimídia, onde estará gravada a memória de jogadores, organizadores e torcedores.
Ainda hoje, às 21h, o Museu da Imagem e do Som lança o catálogo de seu projeto "História Oral - Depoimentos em Vídeo", onde personalidades da cultura brasileira esboçam uma memória da música, do cinema etc. (leia texto ao lado).
Nascido em 1935, formado em Oxford, professor de História Social em Essex (Inglaterra) e diretor da National Life Story Collection, Paul Thompson está bem menos interessado no depoimento de personalidades que no de anônimos.
"Nos EUA, eles têm uma espécie de história oral dos homens célebres. Não é isso que eu procuro. Os americanos foram pioneiros na história oral por uma questão lógica, simplesmente porque foram os primeiros a usar o gravador de uma forma ampla", diz rindo.
O grande interesse da Life Story Collection, cujo equivalente no Brasil é o Museu da Pessoa, é incorporar todos os aspectos de uma fala ainda bruta, todos os mistérios de uma fala anônima, que não pode ser enquadrada pelo reconhecimento de uma celebridade.
"Estou interessado em mudanças sociais. Esse método muda a História, porque permite ouvir vozes de pessoas que não fazem parte da história dominante. E há todo um aspecto privado da vida familiar que vem à tona. Como material de pesquisa também é melhor. Você pode ter documentos de empregadores e sindicatos, por exemplo, mas é sempre melhor obter a história oral para saber o que realmente aconteceu entre as pessoas", diz Thompson.
O historiador está no Brasil dando um curso de três semanas na Unicamp. É um dos expoentes de um movimento crescente como método de documentação e análise histórica. "É um movimento estimulado de maneiras diferentes em diferentes países. Na Rússia, por exemplo, o advento da história oral é muito interessante. Estive na Rússia três vezes recentemente. Antes a memória era muito perigosa, porque podia ser usada contra você o tempo inteiro. Podia servir como prova para coisas que seu avô tinha feito, por exemplo. As pessoas nunca falavam. De repente, tiveram a necessidade de narrar tudo o que aconteceu, porque ninguém pode confiar mais na memória da história oficial", diz.
Thompson trabalha há 20 anos com depoimentos orais. As séries que fez para a BBC alcançaram audiências entre um milhão e dois milhões de espectadores. "Os ingleses são fascinados tanto pela história como pela vida individual. Algumas coisas que usamos são muito íntimas. Um dos programas era sobre pessoas que se casaram sem saber com quem estavam se casando e que um dia descobriram e se separaram. É sempre um choque quando descobrem."
Seu projeto atual se assemelha a uma imagem de Borges: a criação de um centro de documentação onde serão guardados depoimentos gravados espontaneamente por anônimos desde os anos 60. "Estamos tentando descobrir todo o material que foi gravado e abandonado na casa das pessoas ou em escritórios. Sabemos que há um material maravilhoso a partir dos anos 60. Nossa idéia é selecionar esse material e criar um grande centro de documentação", diz. Um poço de histórias.

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