São Paulo, quarta-feira, 30 de março de 1994
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Viva a liberdade de preços

EDWARD J. AMADEO

Comparado com outras experiências, o Plano FHC é inusitado por manter virtualmente fixos o valor real do salário, do câmbio e das tarifas. Isto significa que estes preços não causam aceleração da inflação nem podem ser corroídos por ela.
Os preços, por sua vez, estão livres. A liberdade de preços veio acompanhada de forte aceleração da inflação. Trata-se de uma corrida cuja linha de chegada é o dia "D" da passagem para o real. Assim como os trabalhadores gostariam de ter seus salários convertidos pelo pico, as empresas também preferem ter seus preços em URV ou real convertidos pelo pico, ou acima da média, e estão mostrando isto no dia-a-dia.
A equipe econômica espera a estabilização da inflação para introduzir o real. Migrar para a nova moeda com a inflação ascendente ou mesmo estável, mas muito alta, significa começar a terceira fase do plano com inflação em real. É uma irresponsabilidade desprezar os riscos de uma transição nestas condições.
Em primeiro lugar, como as cláusulas de indexação não podem, segundo a medida provisória, ser inferiores a 12 meses, a tendência natural será embutir nos contratos a inflação anual esperada. esta, a seu turno, terá como parâmetro a inflação dos primeiros meses do real. Como resultado, a inflação se acelerará como em uma profecia que se auto-realiza.
Em segundo lugar, a probabilidade de apreciação do câmbio é enorme. Com inflação de 5% em real, a fixação do câmbio implica apreciação de quase 15% em três meses. Os efeitos sobre a balança comercial e, mais temível ainda, sobre os fluxos de capitais podem ser desastrosos. Se, para evitar estes efeitos, o câmbio for indexado, em vez de aterrisar, o avião arremeterá.
A taxa de inflação nas próximas semanas deve ser encarada como a medição de um cismógrafo. É preciso evitar o terremoto. Há quem acredite que a queda nas vendas segurará as remarcações de preços e a concorrência dos importados imporá certa disciplina. Pode ser.
Em todo caso, a manter-se a tendência atual, seremos forçados a concluir que, no Brasil, a liberdade de preços é incompatível com a estabilização.
Consistente com suas convicções, o setor empresarial deveria dar mostras de que é possível viver em liberdade e que deseja a estabilização. Um grupo de 300 empresários encabeçado pelo sr. Jorge Gerdau se reuniu com o sr. Fernando Henrique a favor da revisão constitucional. Desejável seria que aproveitasse para prestar apoio ao plano. Com ação, não com retórica. Neste momento, a maneira eficaz de colaborar é ativando as associações patronais, oficiais e oficiosas, inclusive as câmaras setoriais, para administrar a estabilização. Mesmo sem a presença do governo, como sempre quis o setor empresarial.
Enfim, fez-se o melhor possível na área fiscal, não houve congelamento e os salários foram convertidos pela média. Desta feita, governo e trabalhadores lavaram suas mãos. O futuro do Plano FHC e a possibilidade de evitar que 1989 se repita depende do setor empresarial e de suas lideranças.

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