São Paulo, quarta-feira, 30 de março de 1994
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O atraso e a Cesp

ANTONIO CARLOS BONINI DE PAIVA

Na quarta-feira de Cinzas, dia 16 de fevereiro, este jornal publicou artigo intitulado "A Cesp e o atraso" que, em princípio, não mereceria maior atenção, se não contivesse errônea intepretação da matéria assinada por mim, no dia 19 de janeiro, com o título "O conceito de atraso no setor energético".
Há um consenso quanto ao desejo de ingressarmos no Primeiro Mundo, onde o "lobby" é uma profissão regulamentada. A prática da defesa de interesses junto aos poderes constituídos é democrática e, em geral, saudável. Em nenhum momento de meu citado artigo, sugeri alguma crítica ao profissional lobista. Muito menos afirmei que o articulista Paulo Ludmer fosse um lobista –o que não lhe caberia demérito algum! Apenas admiti, naquele artigo, que existem barnabés folclóricos e lobistas folclóricos. Infelizmente!
A intenção do meu artigo foi enfocar a perspectiva histórica dos fatos que culminaram na situação em que vive hoje o setor elétrico. Estamos sentindo na pele o reflexo e as consequências de decisões tomadas durante as últimas décadas, em todos os setores da sociedade. Por exemplo, não tivemos, ao longo de todos estes anos a formulação de uma política tarifária coerente, de preços relativos de combustíveis, com perspectivas de longo prazo. Há muito tempo, vivemos soluções de curto prazo, em torno do combate à inflação.
É verdade que as obras têm tido alto custo. Mas todos sabem que este encarecimento são os juros de construção, graças à diminuição de ritmo imposta pela falta de recursos públicos e às dificuldades de captação de empréstimos externos, mercê do grande endividamento do setor elétrico, cujas origens não há espaço aqui para discutir.
A Cesp, desde sua formação, tem se mantido afastada do conceito de atraso. Ao primeiro choque de petróleo preparou-se para buscar alternativas: pesquisou metanol, hidrogênio, turfa, carvão... É a empresa responsável pelo suprimento de energia elétrica ao Estado de São Paulo e não pode-se dar ao luxo de ser apanhada de surpresa e desprevenida, por conflitos internacionais (nem mesmo nacionais).
Felizmente, o preço do petróleo se estabilizou, após dois choques, em meados da década de 80, tornando desnecessárias as pesquisas contínuas de energias alternativas. A empresa, então, teve a coragem para desativá-las, em 1991. Há três anos, portanto, que não se gasta um tostão com estas pesquisas. Mas ficou a semente. Tomara que não tenhamos mais choques. Mas se acontecerem, a Cesp retomará sua busca de alternativas, cumprindo sua missão.
Reverter ativos da Cesp para a União? Sem dúvida que teoricamente é possível. Mas a quem interessaria tal situação? Seria, no mínimo, um contra-senso. A sociedade espera racionalidade, democratização do capital, não-concentração de ativos nas mãos do governo federal.
O lançamento de títulos da Cesp na BM&F é a forma criativa que a Cesp encontrou de atrair o investidor para o negócio da energia, possibilitando, inclusive, aos interessados um "hedge" em termos de suprimento futuro de eletricidade. É uma maneira de terminar as obras, eliminar juros de construção e, sobretudo, abrir o setor à participação da iniciativa privada. Talvez o que incomode, aqui, é o sucesso da iniciativa de uma estatal, que acaba se constituindo em um obstáculo ao "lobby" viciado e pouco saudável, ensaiado nos bastidores do Congresso, para dificultar a regulamentação do artigo 175 da Constituição, talvez na vã esperança de aviltar o patrimônio público e conseguir que seja colocado à venda a preço irrisório.
A partir dos resultados da atuação da Cesp no mercado acionário, noticiado em todos os veículos de comunicação, até se justificaria a inserção de anúncios de publicidade da empresa em horário nobre da televisão. Mas isto não acontece. Publicidade da empresa na televisão não existe. Se alguém tem visto, com certeza, está vendo errado.
Um melhor patamar da vida brasileira deverá ser uma conquista. Quanto maior o número de empresas que gerem divisas e empregos melhor. Aos consumidores de grandes blocos de eletricidade –sejam eletro ou energointensivos ou não– interessam garantia de fornecimento com qualidade e preço. O momento nos parece de unir forças: vendedores e compradores de energia podem e devem se aliar, em busca de um equilíbrio de relações, em que não haja exploradores nem explorados, mas que se busque, enfim, a prática de uma real política energética, em que se conquiste, para ambos os lados, a produtividade, a competitividade e a qualidade.
O setor não está sentado sobre suas usinas e muito menos acha que elas são doação pública e definitiva. Se assim fosse, estaria entregando seus ativos a qualquer preço ao primeiro que se mostrasse interessado. Finalmente, temos que reconhecer que o país vive uma hora propícia para buscar saídas para suas diferentes crises. O Brasil, como seus vizinhos da América Latina, está tentando. São buscas diferentes, claro, porque as situações são diversas. Mas não há dúvida de que conseguiremos.

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