São Paulo, quarta-feira, 30 de março de 1994
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Dificuldades contornáveis na aliança PSDB-PFL

MIGUEL REALE JÚNIOR

Não tenhamos ilusões. As alianças no primeiro turno serão difíceis, apesar de necessárias. E o PSDB encontra-se no centro desta discussão.
As dificuldades se existem no plano ideológico não são, todavia, incontornáveis, pois a atual social-democracia pode fixar pontos comuns com alas do pensamento neoliberal em um país mergulhado na pobreza como o Brasil.
O fundamental está em estabelecer papéis claros e complementares entre o mercado e o Estado. O mercado deve ser valorizado no reconhecimento de que a livre iniciativa cumpre tarefa social ao criar pólos de atividade econômica, viabilizando empregos e buscando melhoria tecnológica.
Uma das armas de controle do mercado é a própria livre concorrência, que deve ser preservada na contenção de posições dominantes, que levam ao abuso do poder econômico. Não bastará, todavia, contar unicamente com o próprio mercado.
Será sempre necessário proteger o adquirente, não só dando eficácia ao Código de Defesa do Consumidor, mas promovendo a organização de entidades de consumidores, facilitando formas de atuar contra os ardis dos fornecedores.
Mas, no Brasil, estigmatizado por imensas manchas de excluídos, não há como não reconhecer uma essencial missão do Estado: planejar sua atividade e orientar e incentivar a ação privada, de modo a caminhar em direção ao equilíbrio social, à distribuição de renda, permitindo o acesso da maioria desprotegida a condições de se desenvolver como pessoa humana.
Desta forma, políticas públicas nas áreas sociais são indispensáveis e creio que nenhum neoliberal, ciente e consciente do quadro brasileiro, terá coragem de se opor a um programa de outorga de cidadania real a milhões de desassistidos.
A redução do Estado como agente econômico, em consonância com o ajuste fiscal, é meta que o PSDB, ao lado de outros partidos, vem realizando, como se constata pela aprovação conjunta do Plano FHC.
Por outro lado, vivo combate devem sofrer o clientelismo e o corporativismo, dois grandes males da vida nacional.
A luta contra o clientelismo vem a ser o ponto básico e mais árduo de um acordo, que não deve se limitar, por exemplo, ao PFL, hipótese esta mais discutida, mas se estender ao PTB, PP, PL, PV e ao PPS.
A transparência na administração pública é um apanágio do PSDB, pois representa a imagem que se tem e que temos de nós mesmos, tucanos, não sendo, entretanto, a característica de algumas das forças do PFL ou do PTB, comprometidas com sinecuras em sua história distante e próxima.
Neste ponto o PSDB deve ser intransigente, pois a adesão ao nosso partido, se houver, não há de se limitar ao apoio ao candidato em troca de cargos, mas, sim, ir além mesmo de se firmar um programa comum de governo. Deve haver a adesão a uma forma de ser governo, caracterizada pela transparência, descentralização e estrito controle da moralidade administrativa.
É de se destacar, na forma de ser governo, a exigência de valorização das instituições da sociedade civil, mediante sua participação política na fixação de prioridades governamentais.
Tal não se confunde com o corporativismo, que sobrepõe ao interesse geral a vantagem de determinado grupo particular, mal este hoje incrustado em parte considerável da CUT e no PT.
Cabe ao PSDB, em larga aliança, dar o tom, fixar a mentalidade do trabalho a se desenvolver na campanha e depois no governo, tendo-se na figura de Fernando Henrique Cardoso, como cabeça de chapa, a garantia da vigência destas diretrizes.
Se assim for, por que não alianças?
Ficar amarrado a idiossincrasias imobilizadoras do avanço político será prestar vassalagem a preconceitos, que permitirão apenas a satisfação de isoladamente gozar o orgulho da virtude.
O momento político exige este esforço de todas as partes, com vista a assegurar a estabilização da economia e da democracia.

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