São Paulo, quarta-feira, 30 de março de 1994
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Alianças e coerência

ALDO DA FONSECA TINOCO FILHO

Qualquer formulação de discurso, para ir ao encontro dos anseios da maioria da população, terá de estar alicerçada em três pilares fundamentais.
Primeiro, a redistribuição da renda, com a reversão do quadro atual em que uns poucos detêm a maior parte da riqueza do país ao passo que cerca de 60 milhões de brasileiros ficam submetidos à indigência, à fome e ao subemprego.
O segundo aspecto diz respeito à superação das desigualdades regionais. O Norte e o Nordeste não podem continuar relegados a segundo plano, condenados ao eterno subdesenvolvimento, expondo sua população a toda sorte de mazelas, quando sabemos que apresentam enormes potencialidades de desenvolvimento.
Em terceiro lugar, devem ser propostas ações setoriais de caráter emergencial que apontem para saídas imediatas para problemas básicos.
Nosso povo não tem condições de aguardar que reformas estruturais produzam resultados que melhorem o seu dia-a-dia. Sem dúvida, devemos cuidar da utopia nacional de construir um país mais justo, mas não podemos ignorar que a utopia imediata de quem está passando fome é um prato de comida. Portanto, a utopia nacional também passa pela execução de programas sociais de maneira séria e comprometida com os anseios populares, bem como o rompimento com as práticas tradicionais, fisiológicas e clientelistas.
O PSDB, partido que no Brasil representa o que há de mais moderno da social-democracia, tem como ponto prioritário de ação o combate às desigualdades sociais. Sabemos que a amplitude da crise vivida hoje no país e as condições de vida da maioria da população impõem a necessidade de profundas reformas no nosso modelo de desenvolvimento, verdadeiras revoluções que alterem completamente a situação da educação, da saúde, da habitação e de outros setores.
Temos claro que isso só será alcançado com o engajamento de toda a sociedade, dada a incapacidade de, sozinho, governo ou partido transformar a nossa realidade. A população organizada e mobilizada deverá ser o motor das mudanças que ela reclama e exige e isso deve ser demonstrado ao longo do processo eleitoral.
O desempenho do atual governo, no qual o PSDB tem papel importante, tem dado mostras da complexidade do problema. Vemos a cada dia reforçado seu caráter de transitoriedade e realçada a importância de preparar o caminho para que o próximo governo tenha condições de implantar um plano respaldado no voto popular. Isto vem sendo buscado tanto na recomposição do aparelho estatal, que havia sido totalmente destruído, quanto no combate à inflação, com a edição do plano de estabilização.
Criteriosamente preparado, agrupou uma série de pré-requisitos para o seu sucesso e foi colocado em prática sem traumas para o país, coisa que nenhum pacote anterior conseguiu. Assim, o partido dos tucanos não tem fugido à sua responsabilidade presente, mas é preciso manter tal atitude ao pensar o futuro.
É ocioso afirmar que as alianças devem manter a relação de coerência com os princípios programáticos. Assim não há justificativa plausível para a aproximação com os segmentos conservadores e neoliberais do país, que em grande medida são responsáveis pela miséria em que o Brasil se acha mergulhado. Ademais, são tênues os pontos de convergência entre o liberalismo e a social-democracia.
Ao tempo em que o primeiro apregoa a teoria do Estado mínimo e a resolução das contradições pelo livre mercado, sabemos que o combate às desigualdades sociais e regionais não pode prescindir da presença do Estado. Afinidades, portanto, só mesmo no que diz respeito a algumas privatizações em determinadas estatais.
Assim, se não há identidade de projeto, não há de se firmar a aliança PSDB-PFL. Tampouco, se a propalada união é buscada com o intuito único de incorporar no ministro Fernando Henrique Cardoso o candidato anti-Lula.
Um partido, ou mesmo um candidato que se prestar a esse papel, estará confessando publicamente a falta de um projeto para a sociedade. O PSDB não pode se submeter a esse jogo de interesses. Não precisamos de candidaturas contra alguém. As candidaturas devem sintetizar um modelo de sociedade e o PSDB tem um projeto de construção da social democracia para o Brasil, não tendo, portanto, vocação para esta equivocada proposta.
Nenhum projeto para transformar o Brasil pode prescindir da base social de apoio dos trabalhadores organizados, da mesma forma que dos setores médios da sociedade. Enfatizamos a complementaridade das bases sociais do PSDB e do PT e que a união destas pode resultar numa sinergia extremamente positiva na busca do país que queremos: mais justo e mais igual.
Fatias progressistas do PMDB, PDT, PT e de outros partidos de esquerda devem se constituir no alvo preferencial de nossas alianças nas próximas eleições, quer pelas afinidades programáticas, quer pela postura ética e honesta no trato da coisa pública. A consecução de tal aliança será muito mais profícua que qualquer junção anti-Lula, que nos tornaria reféns de compromissos com os segmentos mais conservadores da sociedade, nos afastando de nossos princípios.
Como prefeito de uma capital nordestina, vivenciando no dia-a-dia a angústia de uma população massacrada pelo quadro de injustiça social, quero contribuir para que o PSDB mantenha coerência de atuação e aprofunde seus laços com a sociedade.

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