São Paulo, quinta-feira, 31 de março de 1994
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Sarney na lista

JANIO DE FREITAS

A inscrição do senador José Sarney na prévia que indicará o candidato do PMDB transpira a força que a ambição pode ter, em certas pessoas, sobre qualquer outra consideração. Mas, por seu aspecto estritamente eleitoral, não é um gesto de esperanças desvairadas. Se vencer a prévia, Sarney não tem menos possibilidades de chegar ao segundo turno, como candidato anti-Lula, do que qualquer dos outros que aí estão com o mesmo propósito. A Fernando Henrique, em particular, a candidatura de Sarney imporia efeitos corrosivos.
A receptividade a Sarney na prévia ainda não é calculável, porque não há indicadores confiáveis da situação no conjunto de filiados ao PMDB. É certo que seu nome não une o partido, mas, a esta altura, tudo indica não haver quem fizesse a união. Não há dúvida, também, de que Sarney conta com a simpatia de numerosos governadores e parlamentares peemedebistas, capazes de lhe garantir apoio substancial na prévia e na campanha. Resta ver, contudo, qual é exatamente a manobra em curso, já que vêm de longe os indícios de que entre Sarney e Quércia há um acordo com vistas à sucessão presidencial.
Caso saia candidato, Sarney tem reservas de apoio também fora do PMDB. Mesmo que Fernando Henrique consiga formalizar a difícil aliança com o PFL, Sarney pode ter certeza de que atrai parcela ponderável dos pefelistas, talvez a ponto de inutilizar aquela aliança. No PTB e mesmo no PPR de Maluf estão, hoje, muitos dos seus habituais correligionários. O vasto contingente de políticos bem servidos pelo seu governo tenderá a lhe dar apoio, de preferência a arriscar com outro candidato. E o mesmo se pode dizer de boa parte do grande empresariado.
Se a este quadro partidário juntarmos a situação de Sarney nas pesquisas, com sua posição sempre intermediária e nunca muito distante do segundo colocado, conclui-se que, no momento atual, suas aparentes intenções não são uma aventura desatinada. Refiro-me a ele, não ao país.
Fato com prova
Em um dos seus dois discursos na reunião ministerial de anteontem, o presidente Itamar Franco fez afirmações frontalmente contrárias à verdade dos fatos, referindo-se aos 10,94% que geraram a crise entre governo e Judiciário. Disse ele que "nem o presidente nem ministro algum autorizou ou determinou o estorno de importâncias já creditadas em conta corrente dos servidores. Se isto ocorreu, fez-se à revelia de ordens superiores" (e prosseguiu negando a determinação de que os 10,94%, uma vez retirado dos pagamentos aos servidores, voltassem ao Tesouro Nascional).
No dia 21, Fernando Henrique Cardoso assinou e mandou ao presidente do Banco do Brasil este memorando: "De ordem do Exmo. Sr. Presidente da República, determino a V.Sa., em relação às ordens bancárias emitidas pelo Senado Federal, órgãos do Poder Judiciário, Tribunal de Contas da União e Ministério Público Federal, relativas aos pagamentos das folhas salariais de março de 1994, acatar os respectivos valores deduzidos de 10,94%, creditando a diferença na Conta C das unidades emitentes para posterior recolhimento à Conta Única do Tesouro Nacional. Atenciosamente, Fernando Henrique Cardoso".
Primeiro a falar depois do presidente, Fernando Henrique não fez menção ao memorando que expediu, que ele próprio divulgou pela TV e do qual há fac-símile comprovador. Mais grave do que a simples negação do fato é que, pela primeira frase do memorando, a determinação foi "de ordem do Exmo. Sr. Presidente". Logo, ou o presidente deu a ordem que agora diz nunca ter existido, o que fica muito mal' ou Fernando Henrique atribuiu ao presidente uma ordem que não recebeu dele, o que não fica menos mal.

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