São Paulo, quinta-feira, 31 de março de 1994
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Crianças e orgia sexual

GILBERTO DIMENSTEIN

BRASÍLIA – O prefeito Paulo Maluf mudou a cara da sucessão presidencial ao abandonar sua candidatura –imagino que a maioria dos leitores preferisse uma análise sobre quem perde ou ganha. Lamento frustrá-los. O que mais me chama a atenção é a denúncia estampada ontem sobre o orgias sexuais com crianças numa escola de São Paulo. De quem é a culpa?
O problema é que, mesmo comprovada a denúncia das vítimas, a responsabilidade não se limita aos dirigentes ou funcionários da escola. É também das autoridades públicas. Motivo: não existe fiscalização para o ensino básico. Uma lei determinando a fiscalização rasteja lerda, sem que se vislumbre sua aprovação.
Surpreendente a frase transmitida ontem ao repórter Fernando Rossetti, da Folha, pelo presidente do Conselho de Educação de São Paulo, José Mário Azanha: "É mais fácil abrir uma escola do que uma quitanda". Beleza de país estamos construindo: existe fiscalização para bancos, boates e até casas de massagem. Mas não para escolas.
Provavelmente esse caso só veio à tona porque se trata de uma escola privada, frequentada por alunos de classe média. No ensino público, o abandono é ainda maior. Nossas elites não percebem a grande orgia nacional –e os que percebem não gritam ou não conseguem gritar como deveriam.
O fato: estamos construindo uma geração idiotizada. Idiotizada porque não se investe na cidadania, ou seja, nas escolas. O professor primário, que deveria ser um dos alvos prioritários do respeito nacional, ganha, em média, menos do que um salário mínimo. Fosse um plano para destruir pacificamente um país, impossível melhor tática.
Basta lembrar um único dado. Em cerca de 25% das escolas brasileiras não existe sequer banheiro –daí se vê o esgoto no qual estamos metidos.
PS – Há, evidente, várias exceções de ensino público bem-sucedido pelo país. Uma delas é excepcional e está em São Paulo. Empresários da Câmara Americana de Comércio resolveram adotar três escolas públicas, auxiliando na reciclagem de professores e acompanhando as aulas. Gasta-se US$ 50 por aluno ao ano (repito, ano). Em um ano de experiência, a taxa de evasão escolar caiu 30%. E o nível de aprendizado simplesmente duplicou.

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