São Paulo, sábado, 2 de abril de 1994
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Projeto resgata obra de Marcus Pereira

EDUARDO SIMANTOB
DA REDAÇÃO

Doze anos após sua morte, o publicitário e escritor Marcus Pereira tornou-se um completo desconhecido. Mas seu trabalho, o registro mais importante da música brasileira já feito, volta finalmente ao público. Chega às lojas essa semana um pacote de 12 títulos do extinto selo Discos Marcus Pereira, remasterizados na Alemanha e relançados pela gravadora ABW.
É ainda uma pequena amostra de um trabalho conduzido por Pereira durante toda a década de 70, em que se produziu o mais completo mapa musical do Brasil (leia texto nesta página). Segundo Wagner Tavares, 29, um dos donos da ABW, outros 80 títulos devem ser relançados ainda este ano em pacotes mensais.
O resgate da obra de Marcus Pereira não pára aí. Seus antigos colaboradores estão atualmente empenhados no projeto "Memória Musical Brasileira", que pretende dar continuidade ao trabalho interrompido com a morte trágica de seu idealizador.
Marcus Pereira produziu 144 discos em menos de uma década de existência de sua gravadora. Viajou o Brasil inteiro com um equipamento de gravação portátil, registrando a arte de músicos e cantadores anônimos que ainda preservavam uma tradição local.
Mas o caráter de seus discos não era apenas folclórico. Pereira foi o primeiro a gravar Cartola e Paulo Vanzolin, entre outros, sem contar a história musical das quatro maiores escolas de samba do Rio de Janeiro (Salgueiro, Portela, Mangueira e Império Serrano).
"O melhor do trabalho do Marcus é o que ele não chegou a fazer", diz o compositor e músico Marcus Vinicius, 44, responsável pela direção artística da Discos Marcus Pereira e atualmente dono do estúdio Spalla. "O que há por ser feito hoje é muito mais amplo do que simplesmente prensar discos", complementa.
Junto com o publicitário Fabio Berringer e o empresário Ricardo Aidar, sobrinhos de Pereira, mais o filho, João Paulo Pereira, Vinicius elabora o projeto de um centro de referência da música brasileira (folclórica, popular e erudita). O objetivo é viabilizar não só a documentação e gravação, como também um canal de distribuição e divulgação das obras.
Os organizadores enfatizam o desvinculamento do projeto de qualquer instituição governamental. Para Vinicius, "a cultura é uma responsabilidade social, de pessoas físicas e jurídicas".
O compositor condena ainda a acomodação dos produtores culturais ao mecenato estatal ou privado. "Mecenato sem mercado não vinga. É preciso criar condições para que a cultura se sustente, um esforço de educação a fim de que o brasileiro reconheça sua identidade e possa criar em cima dela", diz.
Os planos incluem a montagem de um acervo para consulta permanente e a distribuição de coleções para escolas. "Sem esse componente didático, o projeto não se justifica", diz Berringer. Segundo Vinicius, a inexistência de um órgão central de referência sobre a música brasileira obriga pesquisadores a intermináveis peregrinações por fontes e acervos avulsos, dispersando o conhecimento musicológico no país.
A grande preocupação do projeto é registrar a pluralidade da produção musical brasileira, oferecendo ao público opções alternativas aos produtos gerados pela camisa-de-força da mídia. Segundo a Associação Brasileira dos Produtores de Discos, produz-se hoje no Brasil menos da metade de títulos que eram produzidos na década de 80, sendo que 65% dos discos em oferta no mercado são estrangeiros.
Vinicius chama ainda atenção ao fato de que cerca de 80% dos artistas brasileiros profissionais encontra-se sem gravar (dados da Associação de Músicos, Arranjadores e Regentes). "Estamos nos dando ao luxo de excluir do mercado artistas que muitos países estrangeiros gostariam de ter sob contrato", diz.
Exemplo disso é o compositor Tom Zé que, após mais de uma década de ostracismo, precisou ser "redescoberto" pelo ex-Talking Head David Byrne para ter sua obra reconhecida no Brasil. "Somos tão incompetentes que nem o potencial mercadológico da MPB é explorado direito", diz Vinicius.

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