São Paulo, sábado, 2 de abril de 1994
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Couturié filma nova obsessão americana

BERNARDO CARVALHO
DA REPORTAGEM LOCAL

Documentário: A Terra e o Sonho Americano (Earth and the American Dream)
Direção: Bill Couturié
Elenco: Harrison Ford, Jeremy Irons, Mel Gibson, Anthony Hopkins, Dustin Hoffman, Bette Midler (vozes) e outros
Produção: HBO
Quando: Hoje, às 21h30, na Bandeirantes. A segunda parte do especial vai ao ar no sábado que vem, dia 9, no mesmo horário

O documentário "A Terra e o Sonho Americano", de Bill Couturié, que a Bandeirantes leva ao ar hoje, às 2lh30 (a segunda parte será exibida no próximo sábado), é fruto de uma nova obsessão americana.
Com produção da HBO (uma das principais emissoras a cabo dos EUA), direção de um documentarista já premiado (Couturié dirigiu o elogiado "Cartas do Vietnã") e participação das vozes de algumas das mais importantes estrelas do cinema internacional (Jeremy Irons, Dustin Hoffman, Jack Lemmon, Anthony Hopkins etc. etc.) interpretando as palavras de personalidades da história dos EUA, o filme parece querer ganhar o novo prêmio do bom-mocismo, fundindo militância ecológica e uma perspectiva politicamente correta do mundo.
Belo panfleto
Não há nada errado em ser politicamente correto ou militante ambientalista. O documentário de Couturié, no entanto, joga num território onde o principal são os efeitos dessa obsessão e não mais apenas uma perspectiva histórica correta e sensata. Na realidade, trata-se mais de um belo panfleto, uma construção de imagens por vezes excessivamente artificiosa de onde a análise histórica foi banida em nome de um discurso mais simples, acessível e propagandístico.
"A Terra e o Sonho Americano" se dirige ao público como se lidasse com crianças de escola primária. A perspectiva não poderia ser mais simplista: para construir o sonho americano, o país destruiu –e continua destruindo– a natureza.
Natureza
O filme começa com imagens exuberantes da natureza americana, como se as paisagens captadas por um fotógrafo como Ansel Adams tivessem sofrido um processo de colorização radical em Hollywood. A partir dessas imagens e das palavras de personalidades da história (de chefes indígenas a Colombo, do presidente George Washington ao industrial Henry Ford) interpretadas por astros do cinema, o documentário mostra como a colonização e o progresso foram destruindo a terra, os índios e os animais, do descobrimento até a criação de usinas nucleares.
Embora correto em suas denúncias e belo em suas imagens (algumas, como as do consumismo dos anos 50, são hilariantes), este documentário, cuja construção por vezes se aproxima de um filme de ficção, incomoda pelo simplismo de seu ponto de vista (o homem destrói a natureza) enfatizado pelo tom dramático tanto na música como na montagem (uma espécie de "Koyaanisqatsi" falado).
Revisionismos
Há alguns anos, tratar a glória americana pela ótica dos perdedores poderia parecer mais original. Hoje, após todos os revisionismos multiculturalistas (por vezes extremamente infantis em sua radicalidade) do Descobrimento da América, denunciar as misérias da colonização contra os índios e o meio ambiente e da industrialização contra o planeta tornou-se quase um lugar-comum.
Num mundo onde essa perspectiva está disseminada por toda parte, um "filme de denúncia" (ou conscientização) que não oferece nenhuma análise ou esclarecimento histórico para além das palavras de ordem mais ouvidas não pode pretender ser muito mais que uma pequena peça de propaganda.

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