São Paulo, sábado, 2 de abril de 1994
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Adiamento com prazo definitivo

TÉRCIO SAMPAIO FERRAZ JÚNIOR

Ninguém contestaria que, literalmente, o artigo 3º do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT), ao ordenar a revisão constitucional, não estabeleceu nenhum prazo para o seu encerramento. Nem deveria fazê-lo, pois a experiência é farta em mostrar que prazos desta natureza, impostos ao Poder Legislativo, raramente são estritamente obedecidos.
Além disso, o processo legislativo, ao contrário do judicial e do administrativo, é, por natureza, sujeito às irracionalidades das injunções políticas e, por princípio democrático, não pode conhecer, como os outros, a chamada proibição de não decidir. Nem o juiz nem o administrador podem suspender o juízo e deixar para as calendas a sua decisão. O legislador, ao contrário, guia-se pelo juízo de oportunidade, sob pena de irrealismo.
A questão de um prazo para encerrar a revisão surgiu quando se quis usar o dispositivo do regulamento revisional que autorizava a promulgação isolada de emendas, para tornar imediatamente em vigor o Fundo Social de Emergência. Ao que parece, um acerto informal com o STF teria tornado o sistema das promulgações isoladas (dito "salame") aceitável constitucionalmente desde que houvesse clareza no prazo definitivo para a promulgação solene da revisão.
Os eventuais argumentos em favor desta limitação não são, porém, insuperáveis. Primeiro há quem diga que o Congresso revisor é o atual, apoiando-se no fato de que o art. 3º do ADCT faria coincidir o início dos trabalhos revisionais com os cinco anos após a promulgação da Constituição. No texto, porém, nem há data de início (diz-se apenas "após cinco anos") nem muito menos menção a um corpo legislativo especialmente eleito para esse fim (o art. 3º refere-se somente a "membros do Congresso Nacional").
Um outro argumento, mais forte, diria que o sistema "salame", sem prazo final, poderia fraudar o quórum imposto pelo art. 60, parágrafo 2º da Constituição para aprovação de emendas, pois uma revisão com prazos fluidos levaria o Congresso a alargar indefinidamente as flexibilidades do quórum meramente majoritário do artigo 3º do ADCT.
Isto, a meu ver, é argumento para que exista um prazo final, mas não justifica a impossibilidade deste prazo ser alterado pelo poder que teve competência para estabelecê-lo.
Do exame dos argumentos, sobretudo do último, segue, porém, que a falta de um prazo definitivo, em termos de razoabilidade, é altamente indesejável. A indefinição, num processo que afeta a Lei Maior, gera insegurança e perturba a vida jurídica do país. Se é verdade que os fatos estão a mostrar que, em ano de eleição, a revisão não será concluída até o fim de maio, adiá-la pura e simplesmente para 1995 também não é uma saída prudente.
O que poderia ser feito, a meu ver, era o poder revisional determinar o que o Constituinte de 1988 omitiu: ao adiar para 1995 a revisão, estabelecer-lhe, por emenda promulgada desde já nos próprios termos da revisão, um prazo último e improrrogável de conclusão dos trabalhos naquele ano. Tornado dispositivo constitucional, este prazo não mais poderia ser alterado por emenda revisional, o que reforçaria seu caráter conclusivo.

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