São Paulo, domingo, 3 de abril de 1994
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O social reaparece

JANIO DE FREITAS

Nada dizer que pareça reprovação ao desempenho de Fernando Henrique na Fazenda, nada deixar de fazer porque não estivesse nas intenções de Fernando Henrique ou não figure no plano antiinflação –tal é o princípio de conduta adotado pelo ministro Rubens Ricupero. E já na primeira reunião conjunta com seu novo chefe, a equipe econômica percebeu que não haverá só a continuidade do que vinha sendo feito, nem apenas o que estava previsto: mesmo sem fazer crítica ao plano, Ricupero deixou claro que não será o condutor de um plano que despreze por completo os graves problemas sociais. O lado social vai dividir, de igual para igual, as atenções até agora dirigidas com exclusividade à inflação.
Para surpresa, talvez, até do próprio Ricupero, a reação da equipe foi, mais do que de compreensão, de adesão. Dela é que veio a proposta de que seja estudado, para adoção pelo governo, o projeto de renda mínima apresentado pelo senador Eduardo Suplicy, pelo qual a maior parte das verbas hoje aplicadas em assistencialismo, e quase sempre desperdiçadas pelos desvios e pelo uso incompetente, complementem o salário das famílias que não ganham sequer para sobreviver em condições minimamente humanas. A França adotou projeto semelhante, Bill Clinton o incluiu no seu programa para os Estados Unidos.
Já aprovado no Senado há bastante tempo, e desde então dormitando entre os tantos projetos que a Câmara enfurna, o da renda mínima recebeu, na reunião com Ricupero, dois avais promissores. Um, menos esperado, de Pérsio Arida. O outro, de Edmar Bacha, que já propunha a renda mínima no distante livro que escreveu com Roberto Mangabeira Unger. Bom conhecedor das complexas peculiaridades do assunto, só por isso já seria lastimável que Bacha deixasse a assessoria especial da Fazenda, como está sendo anunciado, quando introduzido o real.
A reaparição das preocupações sociais na Fazenda recebeu outro sinal do ministro Ricupero. Informado de que o novo relator da medida provisória da URV pretende também, como o anterior, a progressiva recuperação do salário mínimo, Ricupero não adotou a recusa inflexível de antes. Ficou no "ainda não conheço a proposta", no "vamos estudar", sem atribuir à miséria do salário mínimo a natureza de indecência indispensável à salvação, não dos homens, mas da moeda.
Sem remédio
A equipe econômica divulga que os preços dos remédios vão cair 17% a partir de amanhã. Você não cai na queda dos preços, é claro. E mais uma vez está com a razão.
A queda é explicada como consequência da conversão dos preços para URVs, obedecendo à média em URVs dos últimos quatro meses de 93. Mas, como os preços dos remédios já estavam, àquela altura, em níveis só captáveis pelos astrônomos, e as URVs de então eram mais baixas, o que vai acontecer é isto: só caem os preços que, ultimamente, ultrapassaram a média de aumentos altíssimos que a indústria farmacêutica vem mantendo desde 92 (entre 30 e 40% acima da inflação); a maioria dos remédios manterá, praticamente, os mesmos preços; e outros estarão ainda mais caros do que hoje.
O anti-social
Pelo levantamento comparativo das administrações Erundina e Maluf, a ser divulgado amanhã, não foi bom negócio para os paulistanos a desistência do seu prefeito de concorrer à sucessão presidencial.
Os recursos aplicados em saúde, indica o levantamento, foram reduzidos em 35% em 93 (Maluf), comparados com os de 92 (Erundina). Redução equivalente a US$ 142 milhões que, além de suspender a construção de unidades de atendimento, diminuiu o número de leitos em 20%. Os salários do pessoal de nível universitário, no setor paulistano de saúde, foram reduzidos da média de US$ 1 mil para a de US$ 550.
A educação não recebeu melhor tratamento. No ano passado, a administração Maluf deixou congeladas 31% das verbas educacionais, segundo o comparativo feito pelos vereadores do PT. Os recursos para habitação caíram 56%. No transporte, a frota municipal foi reduzida em mil ônibus, a passagem subiu 89% acima da inflação e o "índice Gallup de qualidade do sistema", que Erudina encontrou em 40 pontos negativos e deixou em 62 positivos, em um ano de Maluf já caiu para 24. O piso salarial dos servidores da prefeitura, que Maluf encontrou com a média anual de US$ 128, em 93, caiu para US$ 88,58 e neste ano está em US$ 67,98.
O social, para Maluf, é um túnel sem luz no fim.

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