São Paulo, domingo, 3 de abril de 1994
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Método de trabalho de Lydia Flem combina sociologia e psicanálise

MARINA MASSI
ESPECIAL PARA A FOLHA

Método de trabalho de Lydia Flem combina sociologia e psicanálise
Leia abaixo trechos da entrevista concedida pela psicanalista belga Lydia Flem à Folha, sobre seu novo livro "O Homem Freud":

Folha - O lançamento no Brasil do seu livro "O Homem Freud" é uma excelente oportunidade para a apresentação de sua obra ao leitor brasileiro. Conte como ocorreu sua escolha pela psicanálise.
Lydia Flem - Nasci após a Segunda Guerra Mundial. Minha mãe, que militara na Resistência Francesa, havia sido detida e deportada para Auschwitz. Depois que ela foi libertada, e durante boa parte de minha infância, raras eram as noites em que ela não tinha pesadelos. Falava-me da guerra, mas havia sempre um momento em que silenciava, em que punha uma pedra sobre o assunto: "Ninguém pode compreender o que vivemos." A par de todos os motivos que se juntaram, mais tarde, para despertar meu interesse pela psicanálise, existe esse silêncio de minha mãe. Havia em mim o desejo de encontrar as palavras que curassem do indizível.
Folha - Como a sua dupla formação - sociologia e psicanálise - influenciou a forma de olhar o homem Freud e de compreender sua obra?
Flem - A obra de Freud nasceu do encontro entre vários níveis de experiência: a sua, a de seus pacientes e as elaboradas pelos artistas. Seu pensamento criador alimentou-se de um vaivém constante entre o mais cotidiano, o mais singular e o mais abstrato, o mais geral. Minha dupla formação de socióloga e psicanalista ajudou-me nesta tarefa, mas devo o essencial de meu método à leitura dos trabalhos antropológicos de Jean-Pierre Vernant, Nicole Loraux e Marcel Detienne.
Pretendi seguir por dentro o seu percurso, os seus matizes semânticos, as suas metáforas. O inconsciente só se deixa perceber por trás de máscaras que nunca são as mesmas. Para captar alguma coisa desse invisível, subterrâneo, "não-sabido", que mora em nós, Freud multiplicou os ângulos de pesquisa. Ele nos convida implicitamente a que façamos o mesmo.
Folha - Como psicanalista belga, o que nos ocorre de imediato seria sua proximidade com a psicanálise francesa, freudiana ou lacaniana. Qual é a sua relação com as correntes ou escolas psicanalísticas?
Flem - Esta discussão em torno de escolas me irrita. Ela nos leva ao dogmatismo e à rigidez. O trabalho do psicanalista atrás de seu divã é um trabalho de artífice, feito de paciência, modéstia e solidão. Os pacientes querem que os sigamos nos meandros singulares de suas histórias, e não que os precedamos com conceitos já prontos.
Folha - O seu livro descreve o universo que rodeava Freud e suas referências culturais. Quais seriam, no seu entender, os acontecimentos de nossa época que os psicanalistas deveriam considerar e elaborar? E, quais seriam as metáforas contemporâneas?
Flem - Freud era um médico "malgré lui", um médico à força. O que o interessava era a alma humana. Os psicanalistas costumam voltar-se excessivamente para a atividade clínica ou para a abstração. A psicanálise deve parar de querer dizer a verdade, deve pôr-se novamente a tatear. A violência em todas as partes do mundo, a brutalidade das imagens transmitidas pelos meios de comunicação, as descobertas genéticas etc. levantam questões fecundas: o que é um pai? O que é uma mãe? Quais são os direitos do corpo? Como se exprime a pulsão de morte?

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