São Paulo, domingo, 3 de abril de 1994
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Voto contra comunistas e corrupção garante a vitória

MARCO CHIARETTI
DA REPORTAGEM LOCAL

Um fantasma assusta a Europa. Na Itália, os herdeiros políticos do ditador fascista Benito Mussolini (1883-1945) elegeram 105 deputados, conseguindo 13,5% dos votos. Seu líder, Gianfranco Fini, estará no próximo governo.
Fini chegou à vitória por causa do "grande medo", o terror das esquerdas, na expressão do intelectual e jurista italiano Norberto Bobbio. A maioria dos eleitores votou contra os comunistas e contra a corrupção. Berlusconi é uma das expressões dessa contrariedade (a "autobiografia da nação", chama-o Bobbio). Fini é outra.
Por que os pós-fascistas, como gostam de chamar-se os filiados da Aliança Nacional, o partido de Fini, conseguiram voltar ao poder depois de 50 anos? Por que os italianos votaram em um partido que não esconde sua filiação a uma corrente política antidemocrática que levou o país à Segunda Guerra Mundial (em 1940), à derrota e à destruição que ela causou?
Mussolini foi derrubado em 25 de julho de 1943. Preso pelo novo governo e libertado pelos alemães, montou um Estado títere no norte do país, ocupado por aliados nazistas. Foi fuzilado em 28 de abril de 1945 e seu corpo, pendurado pelos pés numa praça de Milão, foi exposto à execração pública.
Fini vem tentando estabelecer diferenças entre suas propostas e as de seus antecessores. Critica o antisemitismo e renega as "comemorações" da Marcha sobre Roma, que colocou Mussolini no poder em 1922.
Mas não pode deixar de ser quem é. No embalo da vitória, afirmou que Mussolini foi o maior estadista italiano do século. Participou de uma manifestação onde jovens faziam saudações com os braços erguidos e gritavam slogans racistas. Seu partido quer expulsar imigrantes vindos de fora da Unidade Européia. A AN tem um projeto expansionista sobre parte da antiga Iugoslávia. Fini pode ser um fascista pós-moderno, mas não deixa de ser fascista.
A memória é curta e os fascistas estiveram no poder há muitos anos. Além disso, há diferenças entre o fascismo e o nazismo, e os herdeiros de Mussolini sempre preferiram salientar estas diferenças a lembrar as semelhanças.
O antisemitismo, por exemplo, nunca foi uma postura essencial do fascismo. Houve perseguição e leis racistas, mas nada que pudesse ser comparado ao programa de extermínio dos nazistas. Os fascistas sempre insistiram que as fraquezas italianas durante a guerra eram fruto da traição, e não sua responsabilidade.
O movimento fascista nasceu em Milão no dia 23 de março de 1919. Mussolini escreveu que o pragmatismo era seu programa. Setenta e cinco anos depois seus herdeiros mostram que não o esqueceram. Fini é tão pragmático que usa o "V", o símbolo da vitória que era a marca registrada da luta contra o nazi-fascismo.

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