São Paulo, domingo, 3 de abril de 1994
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Macunaíma em Java

CARLOS HEITOR CONY

RIO DE JANEIRO – Na empresa privada, o executivo responsável por um percentual negativo de cinco por cento no espaço de um mês é sumariamente demitido. Na vida pública é promovido. Foi o que aconteceu com o recém-ex-ministro da Fazenda: a inflação de março bateu nos cinco por cento e ele recebeu promoção: de ministro passou a candidato presidencial das elites.
Pode-se argumentar que o aumento da inflação é benéfico para aqueles que lucram com a ciranda financeira e, segundo uma expressão já corrente, são sócios da inflação. Considerando a geral avacalhação provocada pela desvalorização da moeda, o crime continuado dos juros altos e a penúria em que vive a não-elite (cerca de 90% da população), não seria o caso de se falar em sócio mas em cúmplice da inflação.
Já comparei o sr. FHC ao homem que sabia javanês do conto de Lima Barreto (um leitor me escreveu, indignado, dizendo que o conto era de Machado de Assis: o erro do leitor combina espantosamente com o clima dos contos de Lima Barreto). A história é conhecida. O sujeito anunciou pelos jornais que sabia javanês e como ninguém sabia javanês, todos acreditaram. Deu conferência, entrevistas, tornou-se importante nas rodas cultas e sociais. Até que prenderam um marujo que perdera o navio e fora encontrado bêbado nas adjacências do porto. Falava um dialeto incompreensível. Chamaram o homem que sabia javanês. Por sorte, o cônsul holandês se antecipou e liberou o bêbado que se explicava através de sinais –sinais de bêbado. Como se nota, uma boa metáfora para o Brasil de qualquer tempo e circunstância.
Depois de ter corrido o risco de ser desmascarado, o homem que sabia javanês foi representar o Brasil em congressos mundiais de linguística e nomeado cônsul em Havana onde, por conta do governo, iria aperfeiçoar-se em línguas da Malaia, Melanésia e Polinésia.
O conto é de 1911. O país, em essência, não mudou. Há sempre alguém que sabe alguma coisa que os outros não sabem. E muita saúva e pouca saúde os males do Brasil são –disse Macunaíma, este sim, sabia javanês.

Texto Anterior: De patamar em patamar
Próximo Texto: É uma injustiça contra Lula
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.