São Paulo, domingo, 3 de abril de 1994
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gordinhas, a MINORIA SATISFEITA

"Coisa Bonita"

SÉRGIO DÁVILA
DE ROBERTO CARLOS E ERASMO CARLOS

Amo você assim e não sei por que Tanto sacrifício Ginástica, dieta, não sei pra que Tanto exercício Olha, eu não me incomodo Um quilinho a mais não é antiestético Pode até me beijar Pode me lamber que eu sou dietético Não acho que é preciso Comer de tudo que tem na mesa Mas passar fome não Contribui em nada para a beleza Já no passado os mestres Da arte diante da formosura Não dispensavam o charme de uma gordinha Em sua pintura Gosto de me encostar nesse seu decote Quando te abraço De ter onde pegar Nessa maciez enquanto te amasso Eu não sou massagista E não entendo nada de estética Mas a nossa ginástica É mais gostosa e menos atlética Coisa bonita Coisa gostosa Quem foi que disse Que tem que ser magra para ser formosa? Coisa Bonita Coisa gostosa Você é linda É do jeito que eu gosto, maravilhosa.
Três em cada dez mulheres de São Paulo estão acima do "peso ideal". Parte dessa minoria satisfeita não faz dieta, não aperta o cinto e quer derrubar a ditadura da fita métrica. Gordinhas assumidas já têm hino, musa e o lema "Fat is beautiful" (gordo é belo). Agora, ganham uma porta-voz: a atriz carioca Claudia Jimenez. Ela estréia esta semana em São Paulo a peça "Como Encher um Biquíni Selvagem" e avisa: "Somos mais aconchegantes que as magras"
Por Sérgio Dávila, 75 quilos, 1,78 metro
Fotos Rochelle Costi, 54 quilos, 1,54 metro
As gordinhas estão colocadésimas. O músico Roberto Carlos forneceu a trilha sonora à legião ao lançar o hit "Coisa Linda" no final de 1993, uma balada-exaltação às mulheres mais cheinhas. A música está entre as dez mais tocadas nas AMs paulistanas e o disco vendeu um milhão de cópias até agora (veja letra ao lado). A legião agradeceu, trocou as roupas largas por modelitos mais ousados e começou a dar as caras sem os complexos de antes.
E até escolheu em concurso uma musa, a "Gordinha Sexy" Juliana Pupio, 90 quilos, 1,79 metro (veja à pág. 13). Faltava uma profetisa para esta religião que tem no comer bem o seu Deus e a dieta como anticristo. Faltava. A atriz carioca Claudia Jimenez, 35, desembarca esta semana na cidade para estrear a peça "Como Encher um Biquíni Selvagem" -sucesso de um ano e meio e 150 mil pessoas no Rio de Janeiro- escrita e dirigida por Miguel Falabella.
E chega defendendo a causa. "Amassar uma gordinha é muito mais aconchegante que abraçar uma magra", diz ela, 98 quilos, 1,80 metro. "O Roberto fez essa música porque deve estar sendo muito bem comido por uma de nós". Claudia, que ficou conhecida como a dona Cacilda da "Escolinha do Professor Raimundo", é extrovertida, sensual e está de bem com seu peso. "Tesão é química e não física", decreta.
"Três em cada dez mulheres de São Paulo são obesas", diz o endocrinologista Alfredo Halpern, 80 quilos, 1,81 metro. Isso dá uma massa de 4,5 milhões de gordinhas. Segundo uma tabela usada pelos médicos, em que se divide o peso da pessoa pelo quadrado de sua altura, Claudia é obesa (veja abaixo). "Já tive complexo na adolescência, quando os meninos não queriam dançar comigo nas festas", lembra ela. "Mas, depois que fui amada pela primeira vez, assumi o peso".
A atriz estréia nesta quinta, 7, o monólogo feito por Miguel Falabella especialmente para ela. São dez personagens cômicos que se entrelaçam e se diferenciam de acordo com gestos e expressões, sempre num mesmo figurino, um macacão preto. "Eu queria me livrar do estigma da dona Cacilda", diz. Claudia deixou há dois anos o tipo criado por Chico Anysio para se lançar em "Biquíni". Deu certo: críticas favoráveis, sessões lotadas e aproximadamente US$ 100 mil no bolso renderam à atriz a independência que buscava. Rica? "Ainda não. Vou ficar depois da temporada em São Paulo", ri.
A cidade já percebe aqui e ali a presença dela. Há duas semanas, em visita de reconhecimento gastronômico à nova praça, Claudia parou no restaurante Marcel, nos Jardins "O que são aqueles suflês, meu Deus do céu?", lembra. "Pedi logo dois, de queijo e espinafre. O garçon ficou ao meu lado para ver se eu dava conta". Adivinhe? Foi covardia com o rapaz, que não conhecia os hábitos alimentares da atriz. Claudia Jimenez bebe, por exemplo, 20 latinhas de Diet Coke por dia. Não é muito, se se pensar que cada lata de 350 ml traz menos de uma caloria. "Mas o gás que ela consome junto deve alargar o seu estômago e isso dá mais fome", acredita a nutricionista Flora Lys Spolidoro, 65 quilos, 1,66 metro.
Flora prepara as refeições do velejador Amyr Klink em suas viagens e recomenda uma dieta balanceada à atriz. "Acho dieta uma besteira e adoro massas", devolve Claudia. De São Paulo, a turista acidental já tem referências muito próprias. Nada de Masp ou Ibirapuera. Seu roteiro passa pelo polpetone do Jardim de Napoli, em Higienópolis, "uma loucura", pela lasanha do bar Tatou, "de massa superleve"; e pelos pratos do L'Arnaque, ambos nos Jardins, "grandes para um francês".

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