São Paulo, segunda-feira, 4 de abril de 1994
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Museus desamparados

CARLOS A. C. LEMOS

De repente, dois dos maiores museus de São Paulo ficaram sem seus conservadores devido à falta de visão de dirigentes indiferentes ao alcance de seus atos discricionários.
Nem o sr. Hélio Dias de Moura e nem o reitor da Universidade de São Paulo, professor Flávio Fava de Moraes, parecem estar conscientes dos prejuízos que advirão da demissão do conservador-chefe do Masp, Fábio Magalhães, e do diretor do Museu Paulista, do Ipiranga, professor Ulpiano Bezerra de Meneses.
Sabemos que as justificativas apresentadas para explicar a saída daqueles intelectuais de seus cargos não são exatamente as verdadeiras e nem é o caso de estarmos aqui falando de vaidades feridas e de intrigas de bastidores de gente desagradada com a disciplina de trabalho sério. O que nos comove é a falta de humildade e de visão dessa gente que, de repente, fica com o poder na mão.
Dois fatos têm de ser observados e aceitos como definitivos: conselhos e diretorias de museus necessariamente têm de delegar aos conservadores-chefes a responsabilidade única de qualquer planejamento operacional e a continuidade da conservadoria é fundamental à sobrevivência da instituição.
A qualidade de um museu não se mede só pela qualidade de seu acervo, e sim pelo modo como ele é gerido e como se comporta oferecendo à sociedade eventos culturais diversificados, demonstrativos de uma vontade política lastreada por competência profissional que poucos possuem.
O que entristece é justamente isso: Fábio Magalhães e Ulpiano Bezerra de Meneses eram justamente as pessoas certas nos lugares certos e, altamente competentes, estavam imprimindo uma notável linha de continuidade na programação de seus museus, que agora é interrompida abruptamente.
A continuidade nesses postos-chave é fundamental e é uma pena que isso não seja observado pelos sucessivos dirigentes que sobem e descem na gangorra política. Perdemos mais de um museu com essa incessante troca de curadores, de conservadores e diretores.
Saudosos, nos lembramos, por exemplo, do Museu da Casa Brasileira, equacionado por Ernani Silva Bruno dentro de uma visão antropológica cultural. Não pretendia ele reconstruir ambientes, mas apresentar a evolução, ao longo do tempo, do equipamento da habitação, chegando até às peças contemporâneas ligadas ao nosso melhor desenho industrial. Novos sucessivos diretores, cada um pensando uma coisa, transformaram o museu em algo que nada tem a ver com o seu nome.
O Museu de Arte Contemporânea da USP também sofreu reveses com a mudança de reitores e acabou perdendo a oportunidade de se instalar condignamente, perdendo alguns milhares de metros quadrados que Aracy Amaral havia arduamente conseguido, já que a nova diretoria ficou à mercê do novo Magnífico de plantão.
E não nos esqueçamos de todos os tropeços da Bienal de São Paulo, a cada curador assumido como salvador da pátria. Tomara que Aguilar permaneça ali, porque é competente e tem o respeito de todos.
Tomara, também, que Mário Covas, quando subir ao governo estadual, mantenha em seus cargos João Marino no Museu de Arte Sacra e Emanoel Araújo, que brilhantemente comanda a Pinacoteca do Estado, porque sabem o que fazem.
Continuemos a execrar a demissão de Fábio e Ulpiano. Nada mais nos resta a não ser lutar pelo retorno daqueles profissionais, a nosso ver, insubstituíveis. Houve um crime de lesa-cultura na cidade.

CARLOS ALBERTO CERQUEIRA LEMOS, 68, arquiteto, é professor titular da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAU-USP). Publicou "Alvenaria Burguesa", entre outros livros.

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