São Paulo, terça-feira, 5 de abril de 1994
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Historiador relaciona cinema e história

SÉRGIO AUGUSTO
DA SUCURSAL DO RIO

Abrindo o ciclo de conferências "Cinema no Século", que se inicia amanhã no MIS, às 20h30 (veja texto nesta página), o historiador norte-americano Tom Gunning discorrerá sobre o tema "Cinema e História", por ele abordado em inúmeros e influentes ensaios para a revista "Wide Angle".
Autor de um livro sobre David W. Griffith e as origens do filme narrativo, Gunning, 44, pertence a um grupo especial de estudiosos que só acreditam na teoria cinematográfica iluminada pela história do cinema e vice-versa, e que tem em Noel Burch o seu mais célebre representante.
Griffith, Dreyer, Eisenstein, Godard, Mizoguchi, Ford, Lang, Murnau e Hitchcock são alguns dos seus cineastas favoritos. Da Universidade de Northwestern, em Evanston (Illionois, centro norte oriental dos EUA), onde atualmente leciona, ele concedeu à Folha a entrevista que se segue.
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Folha – De onde veio essa sua obsessão pela pré-história do cinema?
Tom Gunning – Quando garoto, era fascinado por arqueologia –daí, creio, o meu interesse pela pré-história do cinema. Além disso, muito me atrai na aurora do cinema a sensação de novidade, a impressão de se estar diante de um novo mundo, nos primórdios de uma forma de entretenimento para as grandes massas.
Folha – Em que medida o estudo da história do cinema enriquece a análise teórica dos filmes?
Gunning – A história do cinema habilita a teoria a descobrir seus pontos cegos. Ao mesmo tempo, a teoria nos permite descobrir como os filmes funcionam, como eles se relacionam com a platéia. A teoria testa os filmes, examina-os de todos os ângulos. A historia testa a teoria, examinando-a em todos os períodos. Elas precisam trabalhar de mãos dadas e se criticar mutuamente.
Os teóricos clássicos, como Eisenstein e André Bazin, entenderam isso porque usaram a teoria para definir seu lugar singular na história. Me parece perigoso desvincular a teoria da história, descontextualizá-la. Mais recentemente, a história reencontrou seu lugar nas teorias de David Bordwell, nos EUA, por exemplo, e nas de Michele Lagny, na Franca, e André Gaudreault, no Canada.
Folha – Por falar em história e teoria, o sr. leu "Life to Those Shadows", de Noel Burch?
Gunning – Claro. Noel Burch teve importância fundamental no meu trabalho. Foi um dos primeiros teóricos a dar atenção à história do cinema e a se deter em filmes primitivos. Participamos juntos do Projeto Brighton em 1878, dedicado a examinar o cinema primitivo por uma nova ótica.
Folha – Que temas o sr. abordará em sua conferência de amanhã?
Gunning – Vou me ater à invencão do cinema e à descoberta de sua singular energia nos anos anteriores a 1914. Vou me concentrar, basicamente, na extraordinária dimensão ilusória do cinema e na sua habilidade para criar imagens que parecem oscilar entre o passado e o presente, a ausência e a presença.
Folha – Tornou-se um clichê dizer que Lumière e Méliès representam duas vertentes distintas na história do cinema. O primeiro seria o pai do documentário e o segundo, do cinema narrativo. Estudiosos mais recentes discordam dessa distinção e o sr. é um deles, não?
Gunning – Não diria que as diferenças entre Lumière e Méliès sejam insignificantes, mas prefiro valorizar o que existe de comum entre os dois: a excitação face a um novo meio de expressão e a exploração da ilusão mágica proporcionada pelas imagens em movimento. Ao ver as primeiras projeções de Lumière, Méliès, que era mágico, teria dito: "Que truque fantástico! Quero entrar nesse negócio". Ou seja, Méliès reconheceu o que havia de mágico nos "documentários" de Lumière.
Folha – O que há de comum entre o que o sr. chama de "cinema de atrações" e a "montagem de atrações" de Eisenstein?
Gunning – Eisenstein queria abalar os alicerces do espectador, e os meios para fazer isso ele foi buscar nas chamadas artes populares, de intensa expressão visual e enorme excitação física, existentes nos circos e mafuás. O cinema, como se sabe, surgiu como atração de feira e parques de diversões, com a preocupação primordial de excitar e extasiar a platéia. A diferença entre a "montagem de atrações" de Eisenstein e o primitivo "cinema de atrações" é que Eisenstein explorou a energia popular do cinema para fins políticos e vanguardistas.
Folha – No início, havia o "cinema de atrações". Hoje, temos o "cinema de efeitos". O cinema conseguirá sair algum dia do parque de diversões?
Gunning – O cinema vai sempre tirar vantagem de sua energia visual, de formas diversas e com propósitos diferentes, seja em filmes experimentais, seja em filmes comerciais, expressivos ou medíocres. O importante é que o cinema jamais ignore essa sua prodigiosa fonte de energia.

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