São Paulo, terça-feira, 5 de abril de 1994
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O Movimento dos Sem-Cabeça

GILBERTO DIMENSTEIN

BRASÍLIA – Nas conversas reservadas entre integrantes da cúpula do PT, é feita uma pergunta curiosa: até que ponto seus aliados são capazes de gerar mais dores de cabeça dos que os adversários. Absurdo? Nada disso. Basta ler entrevista do principal dirigente do Movimento dos Sem-Terra, Gilmar Mauro, publicada ontem na Folha.
Fosse articulada por um feroz inimigo do PT, a entrevista não teria melhor resultado. Mauro informa que fará campanha para Lula e, aproveitando o ano eleitoral, vai desfechar um número recorde de invasões. Sua lógica é simples: pretende marcar posição e, assim, chamar a atenção para o drama dos que desejam trabalhar e não conseguem.
Claro que é um absurdo um país ter tantas terras e ver famílias vagando pelas estradas. Mais absurdo ainda porque muitas das fazendas são improdutivas, usadas exclusivamente para especulação.
Mas existem dramas ainda maiores. A fome, por exemplo. Nem por isso seria aconselhável estimular a invasão de supermercados ou padarias para exigir pressa do governo no combate à desnutrição. Como não seria razovável invadir os bancos, protestando contra o desemprego e baixos salários.
Prevísivel a reação: donos de padarias, supermercados e bancos se armariam, ganhando adesão das Forças Armadas e polícias militares. E advinhem que vai apanhar, morrer ou acabar na cadeia? Nessa lógica, arquitetada pelo Movimento dos Sem-Cabeça, o desfecho seria uma guerra civil.
Apesar dessa obviedade, Lula não condenou ontem a proposta de invasões –o que demonstra que ele, muitas vezes, é inimigo de si próprio, preso aos grupos mais atabalhoados. Lula corre o risco de ser vítima não apenas pelo desgaste na campanha: se eleito, não terá argumentos para evitar que os sem-terra lancem uma onda ainda maior de invasões.
PS – Depois Lula reclama quando muita gente duvida de seu apego ao Estado de Direito Democrático. Lembrete: ferir a lei serve para causas justas como tomar fazendas improdutivas. Mas também para golpes de Estado que derrubem governos eleitos e fechem o Congresso.

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