São Paulo, quarta-feira, 6 de abril de 1994
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Ser legal e ser justo

LUÍS NASSIF

Em recente entrevista ao programa "Roda Viva" da TV Cultura, indagado sobre as controvérsias a respeito do artigo 36 da medida provisória que criou a URV (que elimina o inflação residual de cruzeiro real, quando houver a conversão para a nova moeda, o real), o fogoso economista Gustavo Franco foi taxativo: "Quem for contra, que entre na Justiça".
O que se discute é se, na passagem para o real, pode-se ou não expurgar cerca de 15% a 18% de inflação residual em contratos indexados em índices de preços. O expurgo interessa ao Tesouro –que é devedor de títulos em IGP-M– e não interessa de forma alguma ao sistema financeiro –que é o credor desses títulos. E é mais uma prova de que era lorota pura a afirmação de que o plano econômico do governo visaria beneficiar os banqueiros.
De qualquer modo, é responsabilidade do gestor público não tomar decisões que impliquem em questionamentos judiciais futuros. Principalmente depois dos profundos prejuízos que a União já teve, com questionamentos anteriores.
Há advogados de peso que sustentam que a medida provisória da Unidade Real de Valor é juridicamente imperfeita. Trata a URV como unidade monetária, quando ela não é sequer um índice de atualização de preços (que necessita de uma metodologia perfeitamente definida), mas apenas um referencial.
Ocorre que, do ponto de vista da realidade financeira dos contratos, o expurgo é essencial para impedir que a mudança de padrão monetário provoque ganhos e perdas indevidas. Gustavo Franco, como um competente conhecedor de números e índices, está certo.
Os advogados contrários ao expurgo desenvolveram uma série de raciocínios visando desqualificá-lo. O principal deles é que índices inflacionários, por significarem a atualização de valores passados, por definição trazem embutidos a inflação passada. Portanto não haveria lógica em expurgar este resíduo.
A considerar
Poder-se-ia estender em complexas considerações estatísticas sobre a natureza do resíduo inflacionário e quetais. Mas não há necessidade.
Observe-se apenas o seguinte:
1) Suponha um contrato pelo qual uma parte se compromete a pagar mensalmente a outra cem cestas de produtos, previamente definidos.
2) Com a mudança de moeda, do cruzeiro real para o real, para que nenhuma parte seja beneficiada ou prejudicada, o pagamento, em real, deve corresponder às mesmas cem cestas mensais.
3) Sem o expurgo do resíduo inflacionário em cruzeiros reais, no primeiro mês após a entrada do real, seja qual for o índice de inflação em real, o valor do contrato aumentará de 100 para cerca de 118 cestas mensais. No segundo mês, por volta de 125 cestas. Onde, a neutralidade?
Mundo real
Esta conta pode ser facilmente comprovável pela análise estatística.
O papel do direito é interpretar da melhor maneira possível o mundo real. E não existe formulação jurídica ou financeira que supere a prova do pudim.
Sem o expurgo, haverá de 18% a 25% de aumento em todos os valores contratados, corrigidos pelos índices de inflação em cruzeiros reais. Logo, o que era para ser mera correção monetária, transformou-se em aumento real.
A análise do mundo real diz que apenas com o expurgo do resíduo inflacionários em cruzeiros reais, se manterá a neutralidade dos contratos, após sua mudança para o real.
Se houver impropriedades formais na medida provisória da URV, que os juristas de fora do governo sugiram aperfeiçoamentos e os dentro implementem.
O que não se pode é recorrer a filigranas jurídicas para consagrar injustiças contra quem quer que seja –até contra o Tesouro.
Paranapanema
Useira e vezeira na arte de manipular direitos de minoritários, a Paranapanema convocou assembléia geral extraordinária visando alterar seus estatutos sociais –sem especificar a natureza das modificações.
O fato contraria frontalmente a lei das sociedades anônimas e já provocou manifestações contrárias de minoritários junto à CVM (Comissão de Valores Mobiliários).

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