São Paulo, quarta-feira, 6 de abril de 1994
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São três palavras

CARLOS HEITOR CONY

RIO DE JANEIRO – Apresentado como elo entre a administração de Fernando Henrique Cardoso e a de Rubens Ricupero, o deputado José Serra deu entrevista no último domingo. Ensinou-nos o seguinte: "A maior dificuldade do plano não é a sua formulação, mas as pressões do dia-a-dia".
Cito textualmente a frase que foi puxada para "olho" da entrevista. E o motivo da citação é piedoso: não há problema algum com o plano da equipe econômica. É perfeito, indestrutível, óbvio, o escambau. O diabo são os outros, ou seja, aquilo que o deputado chama de "pressões do dia-a-dia".
A primeira associação que me veio foi a da pergunta de Garrincha a Feola, na véspera de um Brasil-Rússia: "Eles estão de acordo?" (A história é sovada e me dispenso contá-la. Basta a pergunta: os russos vão topar tudo isso?)
Pela entrevista de José Serra tive a impressão de que a equipe econômica funcionou como o técnico de futebol diante do quadro-negro: fulano faz isso, sicrano espera qui, beltrano entra ali –e pronto.
Chama-se a isso –segundo expressão do deputado– de "formulação perfeita". Resta saber se o adversário vai deixar ou se são necessários cinco para segurar o homem –como na outra anedota que não pode ser contada aqui.
Ainda bem que o novo ministro formulou, também perfeitamente, um programa compacto e copiado de Tancredo Neves, lido por Sarney na primeira reunião da defunta "Nova República": "É proibido gastar!" São três palavras, como no velho foxe e no bolero equivalente. Assino embaixo, embora minha assinatura, no caso, valha tanto quanto a de qualquer outro cidadão, inclusive os cidadãos-ministros.
O emocionante, o que torna o Brasil fantástico, é que, apesar da autoridade dos formuladores e da boa vontade dos formulados, as pressões do dia-a-dia cismam de bagunçar as formulações. Ainda bem que, ao menos naquele tempo, havia alguém que sabia driblar russos e pressões.

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