São Paulo, quarta-feira, 6 de abril de 1994
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Um túnel menos escuro

AURELIANO CHAVES

Todos estamos esperançosos de que o plano do ministro Fernando Henrique Cardoso dê certo. Há razões para se cultivar essa esperança. Tem ele um razoável conteúdo de bom senso, a par de encontrar um cenário mais propício ao êxito.
O Brasil ostenta uma balança comercial favorável, que repercute de maneira positiva nas reservas cambiais. O equilíbrio orçamentário parece uma realidade e as tarifas públicas já começam a assegurar uma remuneração aceitável dos ativos das empresas do Estado, o que lhes permite programar algum investimento impostergável.
Afastou-se o fantasma dos choques desmoralizados e busca-se um comportamento flexível, capaz de ajustar-se, de maneira inteligente, às realidades do mercado. O céu não é de brigadeiro, mas não há nenhum C.B. na tela do radar.
Essa tranquilidade, entretanto, não deve estimular exageros de otimismo, muito frequentes em nosso país, quando os ventos sopram favoráveis. Ventos favoráveis, hoje, não eliminam possibilidades de tornados amanhã.
A URV, que é, na realidade, um casamento disfarçado (MP 434), não indissolúvel, com o dólar, exige mudanças profundas e não superficiais em nossa economia, para ser duradoura.
Se o nosso perfil de rendas continuar perverso, como perversa é nossa estrutura fundiária, rural e urbana, bem como nossa estrutura bancária, com reflexos negativos em nossa produtividade rural e industrial, dentro de menos tempo do que se supõe o real estará tão corrosível como o mil réis, o cruzeiro, o cruzeiro novo, os cruzados-Sarney, como o cruzeiro-Collor e o cruzeiro real-Itamar.
É preciso acabar com a falsa idéia de que moeda é bem econômico, quando, na realidade, é veículo de circulação dos bens econômicos. É claro que, sendo referencial de troca ele deve adquirir o conceito de padrão, para não se transformar, como ocorre no Brasil, em veículo de balbúrdia financeira e de corrupção.
Assim, preservar a moeda é fundamental para qualquer nação. Mas essa preservação não é um mero exercício de inteligentes prestidigitadores, mas paciente trabalho, que envolve profundas mudanças, capazes de influir nos hábitos de produtividade e do consumo de toda uma sociedade. É importante fugir às tentações maniqueístas, sem, entretanto, cair no campo difuso das indefinições.
A Argentina partiu direto para a dolarização de sua economia. Colheu, de início, alguns resultados positivos, à custa de muitos sacrifícios da área mais sofrida de sua população. O quadro, hoje, começa a dar alguns sinais negativos.
A moeda de um país é reflexo da saúde de sua economia. Quando se acoplam duas moedas, é necessário que as economias caminhem sintonizadas. Acoplar uma economia que exibe, endemicamente, altos índices de inflação real com outra economia não comprometida com a inflação é utópico. É como colocar duas máquinas elétricas, trabalhando juntas, em paralelo, sem que exibam, de pronto, a mesma tensão e a mesma frequência. Não funciona!
A par disso, o problema da balança comercial não pode deixar de ser cuidadosamente tratado, de vez que a indexação de moedas envolve, como já disse, perfeita sintonia entre a capacidade competitiva de cada uma das economias.
Há outros questionamentos menores, no varejo, mas, nem por isso, menos importantes.
A MP 434 visa manter a média dos salários reais. Na realidade, a MP 434, como as legislações que a precederam, somente assegura a preservação do poder aquisitivo do assalariado, quando a inflação é estável. No caso de uma inflação ascendente, essa preservação é pura ficção. Impõe-se, portanto, mudança na lei salarial como premissa de uma estabilização. Essa mudança é um grande desafio.
Os ditos neoliberais, provavelmente, irão advogar a livre negociação como saída natural. Ora, tal procedimento, com uma inflação oscilando em torno de 40% ao mês, com altas taxas de desemprego, é extremamente perverso para os trabalhadores.
Tenta-se, através da MP 434, transformar os salários em URV, no caso, equivalente ao dólar. Fixa-se, a seguir, o câmbio, na busca de estabilização do salário real. Mas, se a cola da URV ao dólar for apenas fruto de um inteligente malabarismo dos economistas oficiais e não a decorrência da saúde de nossa economia, tudo acabará em nova e perigosa decepção.
Por enquanto, as poucas velas acesas já nos permitem enxergar o piso do túnel e andar com segurança. Há, ainda, muitas velas a serem acesas até que se veja a saída do túnel. Esperamos que todos ajudem a acendê-las, principalmente, políticos e empresários. Para isso, comecemos por exorcizar qualquer dose de pessimismo, acreditando, dessa vez, que as perspectivas sejam menos desfavoráveis.

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