São Paulo, quinta-feira, 7 de abril de 1994
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Chega de lorota

LUÍS NASSIF

Para uma nação com tantos analfabetos oficiais e letrados é impressionante o poder que as palavras ainda conservam no Brasil. Aceitam-se diariamente declarações de intenções, como se fossem medidas concretas, e confere-se diuturnamente votos de confiança ao parlapatório mais vazio.
Nada contra o novo ministro da Fazenda, Rubens Ricupero. Mas bastaram algumas declarações de intenções em favor do bem, da verdade e dos pobres e desassistidos, para ser convertido instantaneamente no mais novo paladino da justiça social no Brasil.
Não há a menor preocupação em cobrar a exposição dos meios de se alcançar os objetivos propostos –e checar sua viabilidade. O que importa é que fulano tem bom coração.
O ex-ministro Dilson Funaro era tudo pelo social. O ex-ministro Marcílio Marques Moreira consagrou o discurso do resgate da dívida social. O ex-ministro FHC, em seu discurso de despedida, mostrou-se tomado do furor santo –e aliviado– de quem pode voltar a esgrimir o discurso das mudanças sociais, sem ser ter mais responsabilidade direta por sua implementação.
Nenhum deles, em seu período, moveu uma palha em favor dos pobres e dos desassistidos –a não ser (no caso do Cruzado) por objetivos eleitorais–, valendo-se de um mesmo álibi: a estabilidade econômica precede qualquer outras política pública ou social.
Mentira! É desculpa vazia esculpida por esta torrente de intelectuais descompromissados com o país, que trocam princípios por cargos, para justificar sua falta de coragem para enfrentar os grandes nós políticos e institucionais.
Tem-se à mão a proposta de renda mínima do senador Eduardo Suplicy. Implica desmontar a estrutura corrupta e fisiológica de excrescências como este Ministério do Bem-Estar Social e do Interior. O ex-ministro FHC apoiou a medida, no plano teórico. Na prática ressuscitou estes Ministérios, depois de ter assegurado a muitas pessoas –inclusive ao colunista– que não haveria mais verbas para a politicagem barata.
Grandes brasileiros, economistas de oposição, aceitaram todas as jogadas do governo Sarney, fecharam os olhos às práticas mais abjetas, em nome da oportunidade de salvar o país. Mentira! Queriam exclusivamente garantir suas carreiras profissionais, virando consultores, banqueiros ou cardeais universitários.
Elimine-se por anacrônica a crença de que o brasileiro gosta de ser enganado. Há vinte anos a imprensa embarca neste jogo vazio de palavras. Nos anos 70, sempre que surgia um problema vinha uma autoridade com uma bela explicação nos lábios e nenhuma solução à vista.
Nos anos 80, o recurso à verborragia barata aumentou e continuou sendo aceito acriticamente por todos. Agora, não mais. O ministro Ricupero será apenas mais um interino, ou um sujeito relevante para o país, dependendo de suas atitudes, não de seu discurso.
Na sua saída, FHC fez um enorme auto-elogio à sua capacidade de dizer não. Devia se envergonhar. Só disse não a uma proposta populista de aumento de salários.
Enquanto não mostrar serviço, poupe-nos de manifestações de boas intenções.
Mais um
Um mês antes de sair –meses atrás– o ex-ministro da Agricultura Barros Munhoz encaminhou ao presidente da República um dossiê sobre os escândalos da Conab –Companhia Nacional de Abastecimento. Envolvia diversos políticos goianos. O dossiê foi encaminhado ao procurador-geral da República, Aristides Junqueira, e dele nunca mais se soube. É mais um.

Texto Anterior: Banco terá 30 minutos para pagar aposentado
Próximo Texto: Preços de certos produtos podem aumentar até 15%
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.