São Paulo, quinta-feira, 7 de abril de 1994
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Sapo com guaraná

CARLOS SARLI

Os americanos estão tendo que tomar muita Coca-Cola para desentalar o nome dos brasileiros atravessados durante duas décadas em suas gargantas.
Até o observador menos atento –daqueles que só folheiam as revistas americanas– vai perceber nitidamente. Vejamos a "Surfer", com mais de 30 anos de tradição na mídia surfística. Nas edições de abril, maio e junho de 94 (na América as revistas saem em fevereiro com maio estampado na capa) o Brasil é assunto forçosamente.
Na de abril, a equipe da revista não tinha como esconder o fracasso de sua expedição à ilha de Páscoa. Poucas ondas, muita chuva e um fotógrafo pouco versátil. Só restou à revista apelar aos brasileiros que estiveram lá num período mais apropriado, trazendo ótimas fotos –de Tony Fleury- em ondas realmente sérias. Mesmo assim os americanos têm dificuldade para digerir. E não gostam de dar seus braços musculosos e vitaminados a torcer.
Repare no sarcasmo sutil da legenda que acompanha uma foto de Carlos Burle num drop vertical: "O Brasil não oferece muito em termos de ondas grandes. Dessa forma, os locais mais atirados –como Carlos Burle– têm que voar 10 horas para desafiar Rapa Nui. Há um hospital na Ilha que, por ser tão pequeno, você nunca estará muito longe dele. Portanto, esse tipo de comportamento –mesmo prejudicial à saúde– conta com alguma retaguarda".
Como seria essa legenda se, ao invés dos pés pernambucanos de Burle, estivessem as patas 46 do vitaminado Laird Hamilton? Na mesma edição –falando nas mudanças que vêm ocorrendo no ranking da ASP– outro parágrafo interessante para esta análise: "Dois dos novos nomes, Mark Bunnister e Ross Williams, não têm nomes engraçados. O resto –Tadeu Pereira, Tinguinha Lima, Victor Ribas, Jojo Olivenca (sic) e Renan Rocha– são todos brasileiros, provando que eles realmente andam em bandos, mas também provando que o Brasil se move rapidamente para o status de nação com surfe de Primeiro Mundo". Há agora oito brasileiros entre os Top 44. Fica a pergunta: por que diabos Tadeu Pereira é um nome mais ou menos engraçado que Jake Spooner? Qual a diferença entre Rob Machado e Renan Rocha em termos de graça? Por que nunca houve piada com os nomes de origem portuguesa de alguns surfistas havaianos? Não há registro de qualquer chacota feita com Sunny Garcia ou John Gomes. Nem mesmo com o quase ridículo Dino Andino.
O mundial amador do Rio e o infeliz episódio protagonizado em Maresias pelo não menos infeliz Todd Holland são alguns outros assuntos que obrigam os editores –mesmo a contragosto– a abrir espaço a mais nomes engraçados. Não dá, porém, de deixar de citar a reportagem de capa da edição de junho da mesma "Surfer", cujo título é "Os Novos Top 44 da ASP". Na matéria, foi inevitável mostrar fotos e comentários sobre os nossos oito nomes engraçados que brilham entre os melhores do mundo. Em que pese os elogios rasgados do campeão mundial Barton Lynch, que chamou Jojó de "o mais simpático homem do mundo", Peterson de "interessante", Victor Ribas de "o melhor surfista de ondas pequenas do mundo", a revista conseguiu repetir o erro que irrita a comunidade do surfe do Brasil há duas décadas. Trocar fotos e não identificar devidamente os surfistas. Tinguinha aparece como Jojó, Tadeu Pereira virou Tinguinha.
Desrespeito? Pouco importa. Obrigados pela garra dos brasileiros e ajudados pelos goles de Coca-Cola –agora patrocinadora do Circuito Mundial– os americanos estão um a um engolindo os sapos verde-amarelos com nomes engraçados.

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