São Paulo, quinta-feira, 7 de abril de 1994
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Cidadão Kane agora é mágico em Oz

DAVID DREW ZINGG
EM SÃO PAULO

É gostoso ler jornais estrangeiros. Se a banca de jornais mais próxima de tua casa em Sambalândia recebe o jornal que você gosta de ler no mesmo ano que ele é publicado, você pode ficar sabendo de coisas sobre as quais não leria normalmente no meu bairro, o Paraíso.
Às vezes são coisas comoventes –como a matéria que li no domingo passado no "Miami Herald", o jornal que ocupa o terceiro lugar entre meus prediletos na língua inglesa. Escrito por uma repórter que eu adoraria conhecer, Katherine Ellison, o artigo tinha uma manchete que chamou minha atenção: "Rico patriarca da mídia trai sua idade".
Como vocês talvez saibam, tio Dave já tem 21 anos multiplicados algumas vezes, de modo que a palavra "idade" me tocou direto no coração. O velho Dave certamente não é rico e tampouco se considera um patriarca de qualquer espécie, mas a possibilidade despertou seu interesse.
O que realmente me fez ficar de ouvidos em pé foi quando percebi que a srta. Ellison se referia a meu colega jornalista, o dr. Roberto Marinho. Para pessoas como você, Joãozinho, que estão fora do Brasil desde sua descoberta no Ano de Nosso Senhor 1.500, o dr. Marinho é quem chefia as organizações Globo.
A srta. Ellison possui o dom de se expressar com aptidão, habilidade que deve ter aprendido numa daquelas escolas de jornalismo que existem na Gringolândia, como a Columbia, que concedem notas extras de graduação pela utilização incisiva de metáforas.
Ela começa dizendo que o dr. Marinho é conhecido aqui no país que ele tanto ama como o "Grande Irmão", ou "o presidente sem mandato". Ela prossegue dizendo que ele hoje "está se parecendo menos com o Cidadão Kane e mais com o Mágico de Oz". "Ele exerce seu poder por trás de telas majestosas", diz Ellison.
O artigo explica que o lendário papel do dr. Marinho se deve à força que tem a televisão, nesta nação de 150 milhões de habitantes. "Os brasileiros assistem ainda mais televisão do que os norte-americanos –em média sete horas por dia", diz Ellison.
O artigo continua: "Nos Estados Unidos a posse de televisão, jornal e rádio no mesmo mercado, como a Globo tem, seria ilegal. Mas Marinho disse ao 'The Herald': 'Não vemos qualquer inconveniente nisso... Achamos que o jornal 'O Globo' e a TV Globo são muito patrióticos e que vêm exercendo seu papel com dignidade e em obediência a altos princípios' ".
A repórter do "Miami Herald" prossegue, descrevendo como o dr. Marinho "aliou-se à ditadura militar brasileira de 1964 a 1985". O artigo afirma, depois disso, que "Marinho deu a entender que sentiu algum remorso" após o impeachment de Fernando Collor. "Escolhemos Collor em muito pouco tempo", o dr. Marinho teria dito, "e ele seguiu uma linha de ação infeliz".
Voltando-se ao futuro, a repórter Ellison cita as palavras do dr. Marinho: "Vou ingressar na luta política... Vou procurar o candidato". Lula, diz ele, "não tem cultura e talento suficientes para conduzir o Brasil".
Roberto Irineu, filho mais velho do dr. Marinho, respondeu uma lista de perguntas enviadas por fax, dizendo que "aos 89 anos de idade, o dr. Roberto tem mais vitalidade do que todos nós, seus filhos, juntos. Ele não tem planos de se aposentar, mas se um dia resolver fazê-lo, não haverá qualquer interrupção de continuidade. Ele preparou seus filhos para dar continuidade a sua obra".
A repórter parece ter sentido algumas dúvidas em relação à continuidade da competência do dr. Marinho. Ela diz que embora ele se mostrasse "garboso e simpático" durante a entrevista de uma hora concedida em sua casa de praia, ele precisou pedir que seu secretário lhe lembrasse do nome do presidente de Cuba e do nome de um homem com quem passara a maior parte do dia anterior. Segundo Ellison, o dr. Marinho também se esqueceu do primeiro nome de Collor.
O artigo prossegue, dizendo que a crescente concorrência e a crescente democracia no Brasil estão tornando a filosofia do dr. Marinho ultrapassada. A repórter cita uma plataforma eleitoral do PT, que afirma que "é preciso atacar diretamente os monopólios da mídia, em particular ... a Globo".
Concluindo seu artigo de meia página, a repórter Katherine Ellison conta a história da transmissão do Jornal Nacional no dia 15 de março. Ela cita Cid Moreira lendo o ataque legalizado do governador carioca Leonel Brizola à rede do próprio dr. Marinho.
"Tudo na Globo é parcial e manipulado", diz ela, citando Cid Moreira lendo o texto de Brizola.
Ellison conclui seu artigo citando Mario Vitor Santos, ex-ombudsman da "Folha de S. Paulo".
"Um dos marcos da democracia é um sistema judiciário funcionante. E aqui, um juiz determinou que Roberto Marinho tinha que pautar-se pela lei. Isto é novidade".
Vigilante do futuro
"Cada vez que eu digo que já vi de tudo e que nada mais é capaz de me chocar, descubro que estou enganado".
Porta-voz da polícia de Louisiana, comentando o caso de um casal teen preso por manter relações sexuais num sofá-cama em exposição numa loja de departamentos local.
Vigilante do DNA
Segundo o "The New York Times", que paga pessoas para se manterem a par de novas tendências deste tipo, já estamos na era do Bio-Chic.
Um dos indicadores desta tendência é o mundo dos perfumes. Para ser mais exato, três novas e exóticas fragrâncias que chegaram ao mercado: DNA, que não contém DNA, Pheromone, que não contém feromônios, e Realm, que contém feromônios. No caso desta última, os feromônios funcionam com as mariposas, mas não atraem seres humanos de qualquer maneira sexy.
O perfume chamado Pheromone custa US$ 400 a onça (28,35 gramas). Nada mal para uma essência do amor que não tem nada a ver com os mensageiros químicos (chamados feromônios) que levam as mariposas machos a perseguirem as fêmeas. A senhorita que criou o perfume gostou do nome, só isso.
Já o perfume Realm contém feromônios humanos sintéticos. O problema é que, pelo que se sabe, os feromônios humanos não exercem qualquer influência sobre a atração sexual humana.
A função de Realm é fazer seu usuário humano sentir-se melhor, não atrair machos ou fêmeas humanos. Mas sempre resta a possibilidade de que atraia mariposas.
A ascensão do Bio-Chic é sinal de que o mundo da moda acaba de descobrir a engenharia genética.
A questão é se queremos pessoas de princípios como Constanza Pascolato ou Regina Guerreiro se imiscuindo no mundo da engenharia genética. Será que realmente queremos e precisamos que aquela gente simpática que nos trouxe Poison e Opium, unhas compridas e coleiras de cachorro para mulheres comece a mexer com nosso DNA?
Desse jeito tua próxima amante poderia chegar diretamente do laboratório da Gessy Lever, com implantes labiais de feromônios incluídos.
Tenha dó, Yoko!
"I Felt Like Smashing My Face in a Clear Glass Window" (Tive Vontade de Bater Meu Rosto Numa Janela de Vidro Transparente) é uma das canções memoráveis da "ópera rock" de Yoko Ono, "New York Rock", que estreou na semana passada off-Broadway, com uma recepção muito variada por parte da crítica.
Molly fala de sexo
A ONU poderia lançar a ameaça de ataques aéreos para conter o recente acirramento balcânico das posições divergentes em relação ao sexo, que acomete o mundo todo.
O papa João Paulo 2º é essencialmente contrário a qualquer coisa no sexo, exceto a posição missionária. Numa encíclica recente intitulada "O Esplendor da Verdade" ele defende a inaceitabilidade moral de atos como a atividade homossexual, o controle de natalidade e o sexo pré-conjugal.
A Igreja Luterana norte-americana exortou seus fiéis a considerarem a possibilidade de aprovar os casamentos entre gays e entre lésbicas. Um grupo de pesquisas da Igreja enfatizou o "bem criado" da sexualidade. Para a Igreja Luterana, a masturbação é saudável.
Em meio a esta confusão toda, os amantes jovens e inseguros talvez anseiem por uma indicação inequívoca do caminho correto a seguir. Talvez um primeiro passo seja definir o que constitui consentimento completo.
Possivelmente, o sim mais claro que significa sim venha de Molly Bloom, em "Ulysses", de James Joyce:
"Então eu pedi a ele com meus olhos que pedisse outra vez sim e então ele me pediu sim que dissesse sim minha flor da montanha e primeiro eu pus meus braços em volta dele sim e o puxei para baixo a meu encontro para que ele pudesse sentir meus seios todos perfume sim e seu coração batia como louco e sim eu disse sim eu quero sim".
Alguma pergunta do Joãozinho ali no fundo da classe?

Tradução de Clara Allain

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