São Paulo, sexta-feira, 8 de abril de 1994
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Mercadante analisa o trágico em Graciliano Ramos

DANIEL PIZA
DA REPORTAGEM LOCAL

Título: Graciliano Ramos - O Manifesto do Trágico
Autor: Paulo Mercadante
Páginas: 167
Quanto: 8 URVs

Passou despercebido ao circo da mídia o novo livro de Paulo Mercadante, 70, "Graciliano Ramos - O Manifesto do Trágico". O lançamento é da pequena e corajosa Topbooks, a editora que este mês enfrenta a preparação final das 800 páginas das memórias do deputado federal Roberto Campos.
Historiador e sociólogo, autor de "Consciência Conservadora do Brasil" e "Militares e Civis", considerado um dos homens mais cultos do país, Mercadante se voltou para a crítica literária com a mesma competência demonstrada nos outros assuntos.
Seu livro sobre Graciliano Ramos (1892- 1951) é desde já fundamental em qualquer bibliografia sobre o autor de "Vidas Secas" e "São Bernardo".
Mercadante analisa capítulo a capítulo "Vidas Secas" em paralelo com a vida de Graciliano, em especial sua relação com o Partido Comunista Brasileiro (PCB).
Mostra que o PCB, sobretudo nos anos 40, auge do "realismo socialista" (tese segundo a qual a arte deve servir à causa da revolução, retratando as injustiças da realidade capitalista), não tinha muito lugar para o pessimismo de Graciliano.
Graciliano era um socialista, que acreditava, como diz Mercadante, numa "ideologia de esperança", mas sua história pessoal era um antídoto a entusiasmos.
A infância sem carinhos, observadora das misérias de Alagoas, a prisão por um ano durante o Estado Novo de Getúlio Vargas, o temperamento antiviolência –Graciliano, para Mercadante, viveu um "rosário de sofrimentos", em suma.
Além disso, o Graciliano escritor. Era o anti-retórico por excelência, que com poucas linhas dizia muito; o anti-utópico. É o que Mercadante mostra especialmente quando analisa o capítulo "Baleia", o nono de "Vidas Secas", que nasceu como conto.
Baleia é a cadela de Fabiano, o protagonista do romance. Contaminada fatalmente, tem de ser sacrificada. O dono toma a espingarda, Baleia foge, mas enfim ele a mata com vários tiros. Toda a família de Fabiano, na descrição seca de Graciliano, se incorpora à tragédia. "Punir quem se ama", observa Mercadante, "é ato que faz parte das tragédias."
Mercadante chama atenção para a palavra usada por Graciliano no sacrifício de Baleia: execução. Ressonâncias políticas óbvias. Graciliano é solidário com a cadela, isso é evidente; e, no entanto, matá-la é uma necessidade.
Depois Mercadante descreve o "Velho Graça" no PCB, a que ele, Mercadante, também pertenceu (e descreve: "parecia uma seita religiosa"). Graciliano se filiou em 1945. Repugnava os sectários e apoiava alianças com burguesia.
Quando morreu, em 1951, estava cético. Cinco anos depois, Kruschev iria revelar os crimes cometidos por Stalin na URSS, o que provocaria grande número de baixas nos PCs de vários países.
Mercadante relata esses estados da alma do grande escritor a partir dos diários que escreveu no período. São anotações preciosas, não só sobre Graciliano, mas também sobre o PCB. Se há um defeito no livro, é que a riqueza desses diários de Mercadante deixa nele –e no leitor– o gosto de quero-mais.

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