São Paulo, domingo, 10 de abril de 1994
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A globalização e a aceleração do tempo

EDUARDO GIANNETTI DA FONSECA
ESPECIAL PARA A FOLHA

A hipérbole é inimiga da precisão. Mas é difícil resistir a uma sensação de assombro e vertigem diante da velocidade com que o mundo vem se transformando de alguns anos para cá.
Não é a primeira vez, é verdade, que isso acontece. Já na primeira revolução industrial, por exemplo, era lugar-comum afirmar-se que "na era da eletricidade e do vapor, a década substitui ao século". A diferença é que agora estamos trocando semanas por minutos e dias por segundos.
A vertiginosa aceleração do tempo no mundo contemporâneo se faz sentir das mais diversas maneiras. Alguns fatos expressivos ajudam a visualizar o fenômeno.
1 - Quando Abraham Lincoln morreu, em 1865, as primeiras informações sobre o assassinato demoraram 13 dias para chegar à Europa. Com um simples fax, qualquer pessoa faz uma página escrita cruzar o Atlântico em poucos segundos.
2 - Há 45 anos atrás, quando a econometria engatinhava, uma regressão múltipla requeria o trabalho de um operador qualificado, meses de cálculo e 40 horas do computador mais avançado de grande porte. Hoje em dia, essa mesma regressão pode ser feita por qualquer aluno de graduação, no seu micro, em menos de 30 segundos.
3 - A passagem do primeiro para o segundo bilhão de seres humanos na população mundial ocorreu por volta de 1927 e custou à humanidade um século. A do quinto para o sexto bilhão, prevista para 1998, deverá custar pouco mais de uma década.
4 - No auge da primeira revolução industrial, a Grã-Bretanha precisou de 58 anos para dobrar o seu PIB "per capita" (1780-1838). Os EUA repetiram o feito em 47 anos (1839-86) e o Japão em apenas 34 (1885-1919). À Coréia do Sul bastaram 11 anos para duplicar o valor da produção média por habitante (1966-77).
5 - Ao ser eleito presidente dos EUA, em 1817, James Monroe escreveu a Quincy Adams, em Londres, convidando-o para o cargo de secretário de Estado: quatro cartas idênticas foram remetidas, por diferentes rotas, e a mais rápida demorou 41 dias para atingir o destinatário.
Uma fibra ótica com a espessura de um fio de cabelo transmite 500 canais de TV simultaneamente e comporta mil vezes mais informações do que todas as frequências de rádio juntas.
Mas aceleração do tempo é apenas uma das dimensões da transformação em curso. A outra dimensão é a integração do espaço –o processo de globalização que vem fazendo da economia mundial um sistema cada vez mais interdependente e está tornando a existência de Estados nacionais soberanos uma relíquia anacrônica de eras caducas.
Como a aceleração do tempo, a globalização está por toda a parte. Dela fazem parte tanto a expansão de organizações supranacionais (blocos regionais, empresas mundiais etc.) quanto o vertiginoso crescimento, a partir dos anos 80, dos fluxos internacionais envolvendo comércio, finanças, informações e pessoas. A hipérbole não é opção de estilo, mas imposição dos fatos.
1 - Entre 1984 e 1992, o fluxo do comércio internacional de bens e serviços (exportações + importações) registrou um crescimento sem precendentes em toda a história econômica mundial, saltando de US$ 3,5 trilhões para mais de US$ 7,4 trilhões anuais.
2 - Entre 1980 e 1990, o volume de transações internacionais apenas com ações, isto é, residentes de um país investindo em ações cotadas em Bolsas de outro país, cresceu 28% ao ano, em média, subindo de US$ 120 bilhões para US$ 1,4 trilhões anuais. O mercado de câmbio gira US$ 900 bilhões por dia.
3 - O valor do estoque de investimento direto estrangeiro no mundo atinge hoje a cifra de US$ 1,7 trilhão. O fluxo desses investimentos vem crescendo a uma taxa de 25% ao ano. Os países em desenvolvimento estão recebendo, anualmente, cerca de US$ 30-40 bilhões de investimentos diretos por parte das mais de 35 mil corporações transnacionais existentes no mundo.
4 - Em 1960, foram feitas dois milhões de ligações telefônicas entre os EUA e a Europa. Graças à competição e à inovação tecnológica –que reduziram drasticamente o preço das chamadas internacionais–, o número de ligações entre eles já supera a marca dos 700 milhões anuais.
5 - Nos anos 60, viajar para fora do próprio país era um luxo restrito a cerca de 25 milhões de pessoas por ano no mundo. Hoje em dia, mais de 350 milhões de pessoas viajam para fora de seus países de origem a cada ano. O setor de viagens e turismo, empregando 204 milhões de trabalhadores, é o maior gerador de empregos diretos e indiretos da economia mundial.
Gostemos ou não dessa correnteza vertiginosa que varre o planeta e assombra os homens, o fato é que a aceleração do tempo e a integração do espaço são traços fundamentais da nossa era. Diante delas, a primeira pergunta que nos assalta é: Aonde vai dar tudo isso? E a resposta, creio, é curta e grossa: Ninguém sabe! Se a humanidade sempre soubesse para onde vai, ainda estaríamos enfurnados em cavernas e nada de novo teria sido (ou poderia ser) descoberto.
Uma grande fonte de incerteza são os próprios marcos do processo. Será que o mundo está "apenas" passando por uma onda concentrada de inovações, como foram as revoluções industriais do passado, ou será que embarcamos em algo novo, quer dizer, uma espiral potencialmente infinita de transformações que se auto-alimentam e se projetam sobre o futuro sem fim?
Seja qual for a resposta, não seria talvez má idéia evitar os excessos simétricos do triunfalismo e do catastrofismo que costumam acompanhar épocas de rápida mudança como a nossa.
A rendição do comunismo e a queda do muro de Berlin foram vitórias do livre-mercado sobre o planejamento central, mas não foram "o fim da História" –uma fantasia tola que só poderia ter saído de uma mente infectada pelo hegelianismo. Melhor seria falar de um novo começo.
E toda a tecnologia moderna, por sua vez, pode deslumbrar os incautos, mas não engana. "A nossa época", lamentou Nietzsche, "pode falar incessantemente de economia, mas é de fato uma dilapidadora: ela dilapida o que há de mais precioso– o espírito". Ou, como disse Thoreau, em seu tempo: "Nós estamos com enorme pressa para construir um telégrafo magnético do Maine para o Texas, mas pode ser que o Maine e o Texas nada tenham de importante a comunicar... É como se o objetivo fosse falar depressa e não falar sensatamente".

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