São Paulo, domingo, 10 de abril de 1994
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TV não é culpada por violência e má política

MARK LAWSON
DO "THE INDEPENDENT", DE LONDRES

Em épocas mais supersticiosas, comunidades acometidas por infortúnios acusavam os recém-chegados de serem portadores de azar. No Ocidente do final do século 20, supostamente menos supersticioso, o bode expiatório é a TV.
Na semana passada, a TV foi criticada por levar a Itália a eleger um político independente e tido como egoísta como seu provável novo premiê. Enquanto isso, psicólogos e pediatras britânicos afirmavam que ela torna as crianças violentas e perturbadas.
Essas acusações foram bem recebidas pelos júris habituais. Assim –e não pela primeira vez–, eu me proponho a defender a TV.
Na Itália, a perspectiva de manipulação televisiva da democracia é um dos temores favoritos dos liberais desde os anos 70. A proeza de Ross Perot na campanha eleitoral norte-americana de 1992, quando passou de zero a 19% das intenções de voto em apenas seis meses, foi amplamente vista como confirmação da profecia. Mas a apoteose de Silvio Berlusconi é uma manifestação muito mais perfeita disso: Perot comprou tempo na TV; Berlusconi já havia tido o cuidado de comprar a própria TV.
O entusiasmo dos eleitores por novatos na política parece comprovar mais a fraqueza da política convencional do que o poder da TV. Os erros e desonestidades dos últimos líderes políticos italianos que não eram magnatas da mídia contribuíram mais para a chegada dos "homens fortes" do que a TV.
Os "homens fortes" antecedem a TV. Nos comícios de Nurembergue, Hitler se valia de técnicas do teatro e da ópera. Goebbels acrescentou as do cinema. Mas a atração do nazismo não se deveu só a essas técnicas. Berlusconi pode muito bem revelar-se um desastre, mas, se isso acontecer, são a política e a história que devem ser questionadas, muito antes da TV.
Passo então às denúncias –muito mais graves– de que a TV incita assassinatos. Na semana passada, 25 especialistas admitiram, num relatório intitulado "Videoviolência e proteção às crianças", que haviam sido "ingênuos" ao negar vínculos entre vídeos violentos e violência infantil.
Dois aspectos da discussão chamam a atenção. O primeiro é o da terminologia. Vários jornais falaram no "efeito da TV" sobre crianças. Mas isso quase não envolve TV. Os vídeos são produtos da indústria cinematográfica. Quem quiser ver filmes violentos recorre à Sky Movies, de Rupert Murdoch –que programou "Brinquedo Assassino 3", o vídeo implicado no caso James Bulger (o garoto de 2 anos morto por outros dois meninos de 10, em 93).
Segundo aspecto: na ideologia conservadora de livre mercado dos anos 80, a videolocadora e a antena parabólica exerciam enorme poder simbólico. Representavam o poder do consumidor, que deixava de ser objeto das imposições da "elite esquerdista" que dominava a TV britânica. Assim, quando os políticos falam hoje em "controle" e "regulamentação" da TV, talvez estejam se retratando muito mais do que os autores do relatório citado acima.
Tanto no caso de Berlusconi como no dos vídeos violentos, vemos o equivalente a culpar os forasteiros quando alguma coisa dá errado. Culpa-se a TV pelos maus políticos –e os maus políticos culpam a TV. Mas, tirando a TV, qual é a única constante nessas duas proposições?

Tradução de Clara Allain

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