São Paulo, domingo, 10 de abril de 1994
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Calmaria em alto-mar

Os indicadores de preços começaram na semana passada a dar sinais de calmaria. Os números sugerem a hipótese de que, se a URV ainda não é uma unanimidade, ao menos a especulação contra o indexador parece perder força.
A principal novidade veio do IBGE, que divulgou seus índices para março. O IPCA recuou de cerca de 44,5% para 42,7% da terceira para a quarta semana do mês passado.
Se se confirmar nos próximos dias que os preços sobem com menor intensidade, ou seja, que há uma desaceleração da inflação, a própria URV ganhará credibilidade.
Em primeiro lugar, porque o recuo do IPCA significa uma diminuição da dispersão entre os índices de inflação. Em meados de março o IPC-Fipe estava na vizinhança de 41%. Já os números do IBGE e da FGV-RJ ficavam na casa dos 45%.
A dispersão é um sintoma de desequilíbrio entre os vários preços da economia. Uma dispersão menor pode ser o resultado de menores discrepâncias entre as decisões de fixação de preços. Se se confirmar esse quadro sai fortalecida, portanto, a instituição de uma unidade de referência aceita por todos, como pretende ser a própria URV.
A grande incógnita quanto à confirmação dessa desaceleração e da convergência entre os vários índices ainda é a força que porventura assumam as pressões de consumo nas próximas semanas. Um exemplo recente é o da carne. Os pecuaristas voltaram atrás na adoção da URV apostando no estímulo dos salários urvizados ao consumo e, na semana passada, a carne subiu cerca de 20% em termos reais.
Além da hipótese de consumo aquecido pelo salário com reajuste mensal integral, o próprio emprego tem dado sinais, se não de recuperação, ao menos de estabilidade. O nível de emprego no setor de obras públicas do Estado de São Paulo apresentou crescimento de 0,93% em março, desempenho positivo que teve início em fevereiro. O IBGE confirma essa tendência. E a indústria automobilística acaba de prever um aumento de 15% na produção este ano. Finalmente, já se registra após o pagamento do primeiro salário em URV um aumento das vendas a prazo. O número de consultas ao Serviço de Proteção ao Crédito (SPC) de São Paulo aumentou 11% após o dia de pagamento.
A experiência dos últimos anos ensinou que nenhum plano sobrevive à mistura explosiva de inflação baixa e consumo aquecido. Agora é importante perceber que a indústria brasileira ocupou, ao longo de 1993, boa parte da capacidade produtiva que estivera ociosa após a recessão do Plano Collor. Ou seja, uma bolha de consumo bateria rapidamente em insuficiências de oferta. Tal situação seria fatal para a estabilidade se vigente logo no início da vida da nova moeda, o real.
Toda calmaria em alto-mar cria ao mesmo tempo o receio de uma reversão súbita da atmosfera, um sobressalto da natureza. Angústia semelhante parece caracterizar a economia brasileira, instável e ciclotímica. Se os indicadores positivos quanto à inflação mostrarem firmeza nas próximas semanas, apesar dos indícios de aquecimento econômico, isso talvez seja o suficiente para o governo anunciar a passagem da URV ao real, diminuindo a angústia da espera numa economia de rumos incertos.

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