São Paulo, segunda-feira, 11 de abril de 1994
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Sem plano, Ricupero vê ameaça às eleições

JOSÉ ROBERTO CAMPOS; CLÓVIS ROSSI; DEMIAN FIOCCA
EDITOR DE ECONOMIA

CLÓVIS ROSSI
DEMIAN FIOCCA
"Se não houvesse esse plano, possivelmente teríamos que antecipar as eleições". Essa sombria avaliação foi feita pelo novo ministro da Fazenda, o embaixador Rubens Ricupero, na sua primeira entrevista exclusiva desde sua posse, na terça-feira passada.
A julgar pelas previsões do ministro, as sombras não se dissiparam de todo, pois ele acha que "mesmo com o plano, a travessia vai ser delicada daqui para a frente". Mais ainda: dá como absolutamente inegociável a medida provisória que cria a URV, em tramitação no Congresso.
Depois de dizer que a comissão que examina a URV defende a conversão dos salários pelo pico, tese que considera absurda, o ministro afirmou: "Não há possibilidade de negociar. Se você tiver mais força, me derrota, eu vou para casa e aí você governa o país com a conversão pelo pico". Ricupero falou à Folha na manhã de sábado, na sede do jornal. Os principais trechos da entrevista:
*
Folha - Já que o programa econômico não é um plano com surpresas, pacotes etc...
Rubens Ricupero - Nem de tablitas, nem de congelamentos nem de feriados bancários.
Folha - Por que não anunciar a data exata de lançamento do real com mais antecedência?
Ricupero - Porque ela não existe. Com mais antecedência do que 35 dias, eu o farei se for possível. Vou procurar dar a data com o máximo de antecedência possível. Vocês sabem que eu nunca minto na minha relação com a imprensa. Posso garantir, com absoluta segurança, que não existe data. A Sonia Mossri, repórter da Folha em Brasília, está escrevendo há semanas que a data é 1º de junho. Eu não sei como ela chegou a essa conclusão, porque não há absolutamente nenhuma data, não há um papelzinho dentro do cofre que a gente esteja guardando. Não chegamos a nenhuma data porque essa etapa de transição é complexa. Você tem que ver, por exemplo, toda a questão das tarifas públicas. Vamos começar esta semana com as tarifas postais, mas vai demorar abril todo e entrar um pouco em maio, porque é um universo imenso. Vai desde o preço do selo até o da nafta que a Petrobrás fabrica como matéria-prima para a petroquímica. Estamos fazendo agora o decreto sobre os contratos públicos. Você tem que permitir que os contratos privados se ajustem. As negociações entre a indústria e o comércio, em alguns setores são muito mais lentas do que em outros, dependendo da competitividade do setor. Você teve até setores que começaram cedo a negociação, como o das carnes, mas estão encontrando dificuldades.
Folha - Percebe-se que, na negociação entre atacado e varejo, há mais desencontros do que acordos. Não há o risco de que essa etapa de transição se prolongue demais? Como a MP fala em até 360 dias para a implantação do real, a negociação pode se prolongar indefinidamente.
Ricupero - O que eu posso dizer é até um pouco óbvio: a introdução do real não será nem prematura nem tardia. Tem que ser alguma coisa razoável, porque nós não poderíamos esperar um tempo excessivo, que aí haveria esse perigo que você mencionou. Mas nós estamos querendo tomar o pulso do mercado. Fatos como esses que você citou serão elementos relevantes na decisão, mas ainda há coisas que têm que ser decididas. Como mensalidades escolares, para as quais ainda não foi dada uma diretriz, o que faremos muito proximamente. Estamos tentando, ao contrário de outras ocasiões, que os próprios agentes econômicos encontrem o equilíbrio. Mas o pessoal fica esperando que o governo defina tudo. Há um certo vício na sociedade de querer que o governo defina.
Folha - Dada essa complexidade, não há o risco de que a necessidade de introdução do real leve o governo a ser obrigado a editar algum tipo de tablita, porque os contratos não foram todos feitos, ou seja a economia não está toda urvizada?
Ricupero - Não. Nunca ouvi menção alguma sobre isso. Nós estamos ainda confiantes de que esse ajustamento se faça. Eu li na própria Folha opiniões do João Sayad e do Luiz Paulo Rosemberg e outros, no sentido de que se deveria avançar mais rapidamente. Nós temos que ter definições também sobre outros aspectos. A questão da moeda, o lastreamento da moeda, a ancoragem cambial, se será fixa ou não. Nós estamos procurando medir com muito cuidado os prós e contras de todas essas opções. Mas o processo, por ser gradual, está sujeito a essas críticas. Você tem experiências clássicas de combate à inflação ou hiperinflação, sobretudo na Europa Central, que foram resolvidas à base do câmbio fixo de um dia para o outro. No caso da Áustria, a inflação despencou em 48 horas, mas a um custo astronômico.
Folha - Na cabeça de muitas pessoas, por mais que o governo tenha avisado que a inflação só cairia com o real, ficou a sensação de que a etapa URV já levaria a uma queda da inflação, quando está ocorrendo justamente o contrário.
Ricupero - Eu estou sensível a isso. Estou notando que de fato há essa preocupação. Na minha opinião, há aí um problema de comunicação. A melhor maneira de evitar esse risco, que é real, é fazer um esforço adicional de comunicação. Um dos pontos que senti nesses primeiros dias de trabalho é essa necessidade de uma melhor explicação do que significa o plano. Mas eu gostaria de acrescentar que minha preocupação não é só com o plano em si, a curto prazo. Mas é também de caráter estrutural, de médio e longo prazos. A curto prazo, não tenho dúvidas de que o plano terá um resultado muito positivo. Quando a moeda nova for introduzida, a queda da inflação deve ser muito significativa. Agora, nós nunca escondemos que a estabilização é apenas a primeira etapa para, primeiro, ter uma estabilidade sustentada ao longo do tempo e a retomada do crescimento econômico em novos moldes. Um crescimento que incorpore tanto o custo social como o ambiental, coisa que não fizemos no passado. Para isso, é fundamental você cuidar da reforma da estrutura, ou seja, da revisão constitucional. É preciso resolver esse problema da falta de coordenação entre os Poderes. Eu tenho dito que se se resolvesse reduzir a dois os grandes problemas brasileiros, sem dúvida a Previdência estaria entre eles. Na minha opinião, vai ser a grande distorção dos próximos anos. Talvez sejamos o único país que colocou na Constituição todas as regras da Previdência. Ela é inviável nos moldes em que está definida. Você tem também toda essa questão da Federação, da relação entre os três níveis, as vinculações das verbas orçamentárias, as transferências. Todo o mundo reclama cortes adicionais de gastos, mas quando se olha o Orçamento, ele é inteiramente rígido. Entre salários, transferências e vinculações, vai quase tudo o que você arrecada. Sobra só uma parcela de 7% ou 8%. É uma situação de engessamento do país. Acabei de ler um trabalho do prof. José Pastore, mostrando que o Brasil tem custos por emprego muito mais elevados do que qualquer país da Europa. O único que chega perto é a França. Como o custo do emprego é muito elevado, o empresário prefere não gerar emprego. Usa hora extra ou então você tem a fuga do mercado legal, pela economia informal e pela terceirização. Pegue-se o caso do salário mínimo. Eu recebi a comissão do Congresso que estuda a medida provisória. Eles insistem na idéia de elevar para US$ 100. Também acho justo o ser US$ 100, mas para isso, você tem que me dar a revisão constitucional desvinculando o mínimo da Previdência e permitindo a regionalização do mínimo.

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