São Paulo, segunda-feira, 11 de abril de 1994
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Canoa furada

Desde o final do ano passado o governo Itamar se comprometeu com um plano de estabilização calcado no ajuste fiscal. Chegou-se mesmo a sugerir que sem o ajuste não haveria plano algum. O tempo passou e as dúvidas quanto à existência de equilíbrio nas contas públicas só aumentaram. Até mesmo entre técnicos do Fundo Monetário Internacional que vieram ao país.
A incerteza quanto a esse aspecto fundamental da política de estabilização acentua-se à medida em que até agora o próprio governo deve ao Congresso o envio de uma nova programação orçamentária, adaptada à realidade do Fundo Social de Emergência (FSE).
Para piorar as coisas, continua a greve dos funcionários encarregados de preparar o Orçamento. Enquanto isso, o Tesouro libera a cada mês um duodécimo das despesas previstas no orçamento do ano anterior, procedimento que implicará pedidos de suplementação orçamentária.
Acrescente-se a essas dificuldades um agravante político adicional, a hipótese muito provável de que depois de ser finalmente enviada ao Congresso, a nova peça orçamentária será crivada de emendas, senão sujeita a um processo de negociação inevitavelmente tingido de considerações eleitoreiras. É difícil não temer diante da tradição de fisiologismo "franciscano" que impera entre os parlamentares –o do "é dando que se recebe".
Fala-se em âncoras, indexadores e lastros para a nova moeda, mas parece inegável que sem clareza quanto à programação orçamentária a estabilização nada mais será que uma viagem às cegas.
Fixar o câmbio, usar as reservas e operar com os indexadores são todos instrumentos que podem dar resultados espetaculares no curto prazo. Mas recorrer a esses malabarismos instrumentais numa reforma monetária a que falte a garantia do ajuste fiscal é como pilotar uma embarcação sofisticada e bem equipada –mas furada.
Não há como não se preocupar com a sensação de que a economia, se desajustada, seguirá à deriva com risco de afundar.

Texto Anterior: Eleições na África do Sul
Próximo Texto: E a lista de São Paulo?
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.