São Paulo, segunda-feira, 11 de abril de 1994
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Economia política da crise

FLORESTAN FERNANDES

Empresários, economistas e políticos afirmam sem cessar: a crise é política. Bastaria mexer em algumas engrenagens do governo e a crise seria sanada. Tal raciocínio reducionista tem a sua lógica. O Estado fundiu-se com a empresa econômica, especialmente as grandes e as gigantes; o "político" tornou-se a versão pública dos interesses privados predominantes. Estes ramificaram-se pelos três Poderes e, sem eles, correm riscos imprevisíveis. Formou-se uma plutocracia, que impede o povo de ser "soberano" e ao país a possibilidade de unificar-se como nação.
A mania mecanicista e a histórica de considerar a economia em si e por si levou à tolice (teórica) e à astúcia (prática) de isolar o Brasil dos dinamismos do mercado mundial. O impacto desses dinamismos sobre a economia foi desfocado ou oculto. O "desenvolvimento" passa por nacionalista. Na verdade, ele reflete a interação das forças econômicas internas com as injunções do capital financeiro e da comunidade internacional de negócios.
As políticas econômicas adotadas ignoraram a redistribuição da renda –por classes sociais, raças e regiões–, deram as costas à expansão orgânica do mercado interno e converteram o trabalhador e os subalternizados em equivalentes dos egressos da escravidão. Nessas bases, ficou impossível cruzar desenvolvimento capitalista com democracia e crescimento econômico com soberania nacional.
A dependência (por vezes com nexos neocoloniais) foi transformada em mercadoria lucrativa e o tráfico econômico confundiu-se com "política internacional". No comando, impuseram-se os capitalistas nativos e as nações imperialistas hegemônicas.
A Constituição de 1988 retém essa totalidade histórica, flexionada pela pressão dos de baixo –setores mais frágeis das classes médias e das classes trabalhadoras, movimento sindical e outras manifestações verticais da rebelião dos oprimidos, partidos operários e de esquerda, entidades radicais da sociedade civil, etc. O que pretendiam? Articular a democracia ao desenvolvimento capitalista.
O desfecho provisório da "guerra fria" abriu espaço político para que as novas empresas gigantes incluíssem o Brasil em sua órbita. As elites econômicas, culturais e políticas das classes dominantes estenderam os braços avidamente às "oportunidades" trazidas por essa revolução da economia mundial, transferindo os custos das inovações para os assalariados, as classes médias e o Estado.
O "neoliberalismo" eclodiu como a genuína religião burguesa. Ela acena com maior e mais rápido desenvolvimento capitalista, combinado a uma redução drástica dos salários, dos empregos e da anarquia democrática. Somando-se os saldos negativos anteriores às tendências econômicas emergentes, o efeito contínuo consiste em uma crise colossal. Ela fende toda a sociedade e sacode de alto a baixo o Estado e suas articulações com as classes sociais. O que esperar? A solução automática dos traumas, que a burguesia não quis diagnosticar e recusa-se a resolver?

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