São Paulo, segunda-feira, 11 de abril de 1994
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Cigarro também é dinheiro sujo

GILBERTO DIMENSTEIN

BRASÍLIA – Sei que faço, hoje, o papel de ingênuo –e, tenho certeza, provocarei o riso de colegas nas redações. Paciência. A imprensa está prestando um extraordinário serviço ao revelar as várias facetas do dinheiro sujo por trás dos escândalos que levaram ao impeachment de Collor, passando pela quadrilha do Orçamento até o crime organizado do jogo do bicho. Mas os veículos de comunicação também recebem gordas quantias de dinheiro que, na minha opinião, é sujíssimo.
Refiro-me às verbas publicitárias da indústria do fumo. Podem argumentar (e com razão) que as fábricas de cigarro são legais. Verdade. E mais: na imensa maioria do país, embora com restrições, elas fazem propaganda, associando o cigarro à beleza, juventude, esportividade, charme e até saúde.
Fala-se, agora, que o dinheiro do jogo do bicho é sujo porque, em especial, está vinculado ao tráfico de drogas. Corretíssimo –e, justamente por isso, apesar de estar ao lado de uma causa humanitária, Herbert de Souza errou e deve desculpas à opinião pública. Mas, por acaso, cigarro não mata?
Segundo estatísticas da Organização Mundial de Saúde, mata mais do que cocaína ou heroína. São 2 milhões de pessoas ao ano e, segundo cálculos do Banco Mundial, vai pular para 12 milhões em 2.015 só nos países desenvolvidos. Em essência, não há diferença entre as indústrias das drogas e do fumo –exceto que uma delas é legalizada. Ambas são pragas para a saúde pública.
Os jornais têm aberto enorme espaço aos vários tipos de roubalheira. Por quê? A corrupção é um atentado ao interesse público. Assim como o narcotráfico. Ninguém acharia normal propaganda anunciando as excelências do crack, cocaína ou heroína. Nem se acharia adequado os "anões do Orçamento" fazendo anúncio na TV, jornais ou revistas, defendendo a corrupção.
Por que, então, cigarro pode usar toda a sofisticação da publicidade, induzindo à ilusão de riqueza, beleza e até saúde? Lamento dizer, mas estamos sendo hipócritas. Para mim, fabricante de cigarro, narcotraficante, exportador de armas estão na mesma categoria de seres perniciosos à sociedade.
PS – Denunciei nesta coluna, há meses, que havia no Ministério da Saúde um jogo de pressões para evitar maiores restrições à publicidade de cigarro. Portarias estavam assinadas e continuam paradas. O movimento não é bem visto, por exemplo, no Ministério da Fazenda, pois a indústria de fumo é um dos maiores pagadores de impostos.

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