São Paulo, terça-feira, 12 de abril de 1994
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A intenção e o gesto

A entrevista que o ministro Rubens Ricupero concedeu à Folha, publicada na edição de ontem, contém trechos que contrariam, na aparência, a própria índole da diplomacia, carreira a que o novo ministro dedicou 35 anos dos seus 57.
É o caso, por exemplo, de sua afirmação peremptória de que a MP que cria a URV, espinha dorsal do plano econômico, é inegociável. A diplomacia, todos sabem, é acima de tudo a arte da negociação.
É o caso, por isso, de se indagar o porquê dessa aparente inflexibilidade. O ministro pode tê-la explicitado apenas para seguir a própria lógica da negociação diplomática. Esta recomenda que, em situações complexas, cada parte entre pedindo o máximo para sair com o mínimo possível de concessões.
Se for assim, Ricupero pode estar apenas delimitando o campo de negociação. Mas o ministro tem razão na inflexibilidade, ao menos no que se refere às regras para os salários, tanto o mínimo como os demais. A conversão dos salários pela média, proposta pelo governo, não pode ser de fato negociada, sob pena de destruir a consistência do plano.
Quanto ao salário mínimo, o ministro acerta ao vincular seu aumento a uma alteração constitucional que desatrele o mínimo das remunerações previdenciárias e, ao mesmo tempo, o regionailize. A Previdência quebraria com uma súbita elevação do mínimo.
Até aí, a intransigência é, portanto, compreensível. Mas ela se torna talvez excessiva quando se olha para a frente. Dispositivos da MP engessam os salários e os contratos por um ano, quando ninguém possui bola de cristal para prever como estará a economia após a introdução do real ou após a eleição.
A dureza aparente do ministro é elogiável se for de fato apenas uma delimitação do campo de negociação, mas não a inviabilização desta. Que o ministro não abra mão de aspectos que constituem a espinha dorsal do plano é uma atitude aceitável e que cabe, rigorosamente, nos cânones da diplomacia. Mas é de se supor que haja aspectos de MP suscetíveis de mudanças pelo Congresso, sem o que haveria não uma Medida Provisória, mas um "Diktat" governamental.

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