São Paulo, quarta-feira, 13 de abril de 1994
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O dilema de Betinho

Entre o apego aos princípios e a dureza da realidade colocam-se sempre difíceis decisões. E Betinho certamente enfrentou uma escolha bastante delicada ao pedir dinheiro aos bicheiros para sua campanha de prevenção da Aids. A instituição à qual se destinava o dinheiro, que buscava controlar a qualidade do sangue para transfusões, estava à míngua, ameaçada de fechamento.
Em primeiro lugar, receber doação de bicheiros para fins beneficentes não é crime e não parece haver dúvidas de que o dinheiro tenha tido boa destinação. Ainda assim, a atitude daquele que se vinha tornando uma unanimidade nacional enseja uma discussão ética.
Toda a questão pode ser resumida numa única pergunta: é justificável usar todos os recursos disponíveis para promover o que se julga ser uma boa causa? Ou, de outra forma, os fins justificam os meios?
No fundo, essa pergunta subjaz a todas as ações humanas, das mais nobres às mais hediondas. Os fundadores da medicina moderna, por exemplo, assaltavam cemitérios na calada da noite para roubar cadáveres e estudar anatomia, lançando as bases de uma nova ciência. Da mesma forma, muitos dos inquisidores que enviaram milhares de pessoas para as fogueiras jamais enriqueceram e acreditavam sinceramente que estavam salvando as almas de suas vítimas.
Betinho encontra-se na primeira categoria –que o digam aqueles que, de alguma forma, tiveram suas vidas poupadas graças ao dinheiro da contravenção. O problema é que ninguém detém de maneira infalível o monopólio de decidir o que é certo e o que é errado. E mais, são poucos os homens que duvidam de suas próprias idéias, de modo que tendem a considerá-las, por mais tolas que sejam, sempre corretas.
É justamente para evitar que todos saiam por aí perseguindo não importa a que custo seus próprios ideais –para o bem ou, mais frequentemente, para o mal– que as sociedades estabelecem uma codificação ética que, por via das dúvidas, deve ser respeitada, ao menos por aqueles que almejam ao bem.

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