São Paulo, sexta-feira, 15 de abril de 1994
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Médicos, ética e trabalho

CARLOS FREDERICO DANTAS ANJOS

Quase diariamente notícias sobre crise na saúde frequentam o noticiário. Recentemente, tiveram grande repercussão reportagens sobre possível acordo entre chefias de unidades de saúde e médicos para reduzir a carga horária –forma de compensar salários baixos, acarretando prejuízos à população.
De fato, o aviltamento salarial e precárias condições de trabalho levam a um dos mais precários serviços de saúde.
É imperativo que o médico trabalhe em condições dignas e seja remunerado de forma justa.
Hoje, a média salarial do médico no setor público (em São Paulo) equivale a apenas US$ 250. Remuneração tão aviltante é justa e ética para a responsabilidade do trabalho? Como justificar um salário vil para quem atende cerca de 100 consultas em 12 horas? Com certeza, este é um aspecto não-ético e independe da vontade do médico.
Há exatos 14 meses, através de BO cuja natureza foi "Preservação de Direitos" e a vítima a "Saúde Pública", denunciamos a "falta de mínimas condições de segurança para o exercício digno da medicina". Infelizmente, a situação pouco se alterou.
O atual modelo de gerenciamento está falido. Práticas ineptas, malversação dos recursos, cortes orçamentários, legislação arcaica de regulamentação do concurso público. Estes sim, responsáveis pelo prejuízo ao atendimento da população.
Não nos parece que os médicos pratiquem "corrupção ética" ao aceitar redução de horário de trabalho. Talvez, desorganizadamente, convivam com formas compensatórias de remuneração, oficializadas pela falta de política séria em saúde.
Não se pode continuar a remunerar o médico sem levar em conta sua formação, responsabilidade e liderança na equipe. No dia-a-dia, estes são os desafios e conflitos deste profissional cuja missão maior é aliviar a dor e salvar vidas. Não fugimos à responsabilidade da discussão ética no atendimento em saúde dentro de abordagem mais abrangente, ainda que englobe o particular.
O debate, necessário, da ética médica, não pode ser restrito a um único aspecto do trabalho. Ele precisa ir à raiz da verdadeira crise na saúde.
É difícil acreditar numa saúde pública decente se não mudarmos radicalmente o seu financiamento, gerenciamento e política salarial.
Manter o status quo significa levar a que milhões de cidadãos fiquem sem acesso a uma assistência pública de saúde de boa qualidade e equivocadamente passem a acreditar que o médico é o responsável por esta situação. Não somos vilões e sim também vítimas.

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