São Paulo, sábado, 16 de abril de 1994
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Carne humana

NELSON DE SÁ
DA REPORTAGEM LOCAL

É daqueles fatos que vão ecoar, meses, anos. Que calam a boca de quem só quer boas notícias, de quem ainda se preocupa com a imagem do país no exterior. A família que "assou e comeu com cuscuz o pedaço de um seio", na descrição do TJ Brasil, que "comeu carne humana retirada de um lixão em Pernambuco", na descrição do Jornal Bandeirantes, é o horror que volta.
O mesmo horror que andou pelo Carandiru, pela Candelária e por Vigário Geral, no ano passado. Desta vez, não é nenhuma chacina, mas é resultado da miséria do mesmo jeito. Na cobertura de ontem à noite –apresentada com desculpas, até admitindo os cortes feitos para não chocar ainda mais–, o que impressionou, tanto quanto a própria antropofagia, foi a tranquilidade.
A velha senhora descrevendo como fez a refeição com cuscuz e café. Outra mulher lembrando que os restos haviam sido tirados do lixo de um hospital. Um homem dizendo não ter sentido nada, porque ele só foi avisado depois. Outro recordando ter confundido o prato com carne de vaca. De volta à velha senhora, a informação de que continuou comendo, mesmo depois de saber da origem.
Montanhas de comida
Depois disso tudo, a imagem das montanhas de arroz estocadas há três anos pelo governo federal só pode ser descrita como revoltante. São montanhas que exigiriam quatro mil caminhões trabalhando sem parar por quarenta dias para esvaziar o armazém. Conta e imagens estavam no Jornal Nacional.
Caso de política
Aos poucos o alvo vai mudando, no Jornal Nacional. O que era o jogo do bicho vai virando "os políticos citados na caixinha do bicho" –a notícia de ontem era que "vão ser processados". Mais até, como já adiantava o Hoje, à tarde, ao sublinhar que o procurador eleitoral do Rio, Alcir Molina, deve impugnar os candidatos envolvidos. Quer dizer, quase o brizolismo inteiro.
O que era um caso de polícia virou, para alívio de muitos, mais um caso de política.

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