São Paulo, sábado, 16 de abril de 1994
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Pizza mal temperada

JANIO DE FREITAS

A criação de uma CPI exige duas preliminares, a segunda condicionada à primeira: são necessários indícios com consistência bastante para justificar um processo de investigações e, se atendida tal exigência, um requerimento assinado por 168 parlamentares. A comissão de cinco deputados que viajou ao Rio, designada pela presidência da Câmara, teve a finalidade de verificar se a primeira daquelas exigências era atendida pelos documentos que, apreendidos ao comando do jogo do bicho, têm servido para acusações a parlamentares, entre outros. Conclusão, nas palavras do corregedor Fernando Lyra, que encabeçou a comissão: "Os documentos são insuficientes para justificar qualquer procedimento da Câmara contra os deputados acusados".
Lyra e os demais deputados não eliminam a possibilidade de uma CPI ou de outro procedimento, mas desde que "as investigações do Ministério Público venham a apresentar provas consistentes".
Os dois tipos de documentos exibidos aos cinco parlamentares, com as contabilidades que envolvem políticos e outros, deixaram impressões diferentes, ainda em palavras de Lyra: "O livro-caixa parece autêntico, é como o livro dos quitandeiros de antigamente, mas também não faz prova consistente. Antes de qualquer conclusão, tinha que haver investigação caso a caso, para cada um dos citados, porque a menção ali não prova que o sujeito recebeu. A outra contabilidade são só folhas datilografadas. Mesmo tendo sido apreendidas no escritório dos bicheiros, não têm nem a aparência de autenticidade".
Não pode haver conclusão mais clara quanto à necessidade de distinguir a documentação em poder da Procuradoria de Justiça do Estado do Rio. E à necessidade, ainda, de submeter as menções nominais à investigação que esclareça o envolvimento ou a inocência dos citados no livro-caixa. Em vez disso, a Procuradoria informa que já na próxima semana estará iniciando os processos criminais. É a melhor maneira de fazer muito escarcéu e, segundo a expressão da moda, acabar tudo em pizza. Será o resultado inevitável da falta de provas.
Deste modo, as pessoas inocentes terão sido enxovalhadas –e pronto. As envolvidas de fato sairão como se inocentes. Os corruptores, como de praxe, não serão responsabilizados pela corrupção de políticos, jornalistas e talvez de magistrados. Seu único problema será a corrupção de policiais, porque esta investigação não é feita pela Procuradoria, mas uma comissão estadual e as polícias civil e militar fluminenses a estão fazendo.
De minha parte, não considero que inexista, nem que exista, nem que seja duvidosa a ligação de bicheiros com o tráfico internacional de drogas. Simplesmente, ainda não há elementos de juízo a respeito. Mas existe a oportunidade inigualável de procurá-los. Com investigações, no entanto. E, à falta delas, a oportunidade está sendo desperdiçada: assim como não admite perícia nos documentos, a Procuradoria de Justiça não aceita investigações policiais, embora não tenha habilitação, meios e pessoal para realizar por si as investigações necessárias.
Quando acontecer o resultado previsível, será criado o novo escândalo: o pessoal da Procuradoria clamando contra a impunidade vigente no Brasil, apesar dos seus corajosos esforços.

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