São Paulo, sábado, 16 de abril de 1994
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A celeuma do bicho

Grande polêmica se vem formando em torno da chamada lista do bicho. Não há dúvidas de que as suspeitas levantadas pelo elenco de nomes encontrados numa das fortalezas do bicheiro carioca Castor de Andrade são graves e devem ser total e seriamente investigadas.
A máfia do jogo do bicho já há muito deixou de ser uma organização voltada para a promoção de uma contravenção menor para tornar-se um verdadeiro câncer que vai, pouco a pouco, carcomendo o que resta das poucas células sadias do poder do Estado. De fato, há fundamentos para se acreditar que parte da corrupção generalizada que assola o país, alguns homicídios, muita violência e mesmo um ramo do tráfico de entorpecentes são na verdade metástases de um blastoma que teve origem no fabuloso acúmulo de capital proporcionado pelo jogo do bicho,
atividade ilícita, porém sempre tolerada pelo Estado e pela sociedade, não só no Rio, mas também em todo o Brasil.
Mas infelizmente a gravidade da situação exige um rigor nas apurações que não vem sendo observado. Nota-se, tanto nos procedimentos do Ministério Público do Rio quanto nos de parte da imprensa carioca, uma falta de serenidade –para não dizer um certo açodamento– que não só não contribui para o bom andamento das investigações, sejam elas judiciárias ou jornalísticas, como as prejudica.
Há na verdade, possivelmente devido a questões de ordem política local, uma névoa de estrelismo e de supostas certezas rapidamente abraçadas sem qualquer espécie de questionamento que apenas subtraem a necessária credibilidade ao processo investigativo. Já a névoa de dúvidas que necessariamente deveria pairar sobre uma papelada suspeita na origem e na descoberta parece ter-se dissipado como que num passe de mágica. A mesma mágica que subitamente indiferencia os que receberam dinheiro da contravenção e o aplicaram em fins beneficentes –o que está na
fronteira do eticamente condenável– daqueles que se deixaram corromper –o que é crime.
Sempre vale a pena lembrar que investigações –de qualquer espécie que sejam– exigem uma apuração isenta e meticulosa.

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