São Paulo, segunda-feira, 18 de abril de 1994
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Rock & Morte

MARCEL PLASSE
FREE-LANCE PARA A FOLHA

A morte pode vender mais do que canções de amor. A música que levou Elvis Presley ao sucesso, por exemplo, "Heartbreak Hotel" (1956), era a confissão de alguém amargurado a ponto de se matar.
Poucos chegaram a esse extremo, como Ian Curtis, do Joy Division, e Kurt Cobain, do Nirvana. Mas é comum ver artistas baseando a carreira em atitudes e letras angustiadas.
Mesmo a imagem cinematográfica de Elvis, cercado de mulheres à beira-mar, não muda a morte no "Heartbreak Hotel": sozinho, numa mansão com armas e muitos anti-depressivos.
Suicídios, overdoses e acidentes em carros velozes matam mais artistas do que câncer (Frank Zappa) e Aids (Freddy Mercury). O ritual da morte no rock costuma ser violento.
A conexão das drogas é sempre citada em livros "trash", como "Rock'N'Roll Babylon".
Mas a teoria mais louca sobre as mortes surgiu nos anos 60. Em troca de sucesso, os Rolling Stones e Jim Morrison, (líder dos Doors), teriam vendido a alma.
Morrison, chegado em xamanismo, participou de rituais. Os Rolling Stones gravaram "Sympathy for the Devil".
Para reforçar a lenda, há o show de Altamont (1969), durante o qual, ao som de "Sympathy", ocorreu um assassinato.
O certo é que a morte engrandece. A melhor fase dos Stones era com o guitarrista Brian Jones, morto em 1969. Jimi Hendrix ainda é o melhor guitarrista do mundo, 14 anos após sua morte.
A tradição do culto ao ídolo morto começou nos anos 50. Precisamente em 3 de fevereiro de 1959, "o dia em que a música morreu", segundo os jornais americanos da época. Naquele dia, Buddy Holly e Richie Valens morreram em um acidente de avião.
Viveram rápido, morreram jovens e deixaram cadáveres bonitos, como nos filmes B sobre a "juventude transviada" dos 50. Até Kurt Cobain, o rock produziu muitos "cadáveres bonitos".
A imagem do ídolo morto é filtrada pela nostalgia. A decadência final é apagada. A lembrança se fixa no auge.
Ao ter que decidir que imagem de Elvis ilustraria um selo, entre a fase "rockabilly" e a final, de Las Vegas, o público americano optou pela imagem da juventude.
A morte também fez bem a Jim Morrison, ainda lembrado como um deus do sexo, embora tenha morrido gordo e barbudo.
A principal vantagem dos mitos é a juventude eterna. A decadência é fatal para um negócio tão voltado à imagem quanto o rock.
Johnny Rotten, líder da banda punk Sex Pistols, dizia, em 77, que os Stones deveriam ter morrido num acidente de avião. A crítica musical diz quase o mesmo, ao afirmar que a banda não faz nada que preste há anos.
Os Beatles foram mais espertos, terminando em 70. Uma morte simbólica. Permanece a melhor banda do mundo.
O assassinato de John Lennon, em 1980, aumentou o culto. Rodaram-se filmes, lançaram-se coletâneas.
Agora, explora-se outro esqueleto no armário Beatle. Stu Stutcliffe foi o quinto Beatle, entre 1959 e 1961. O baixista morreu em 62, sem nunca ter gravado.
Stutcliffe, então, volta ao noticiário mais de trinta anos depois. Ele acaba de virar assunto de um filme ("Backbeat"), que exuma sua desconhecida importância nos Beatles. Morreu aos 22, um "belo cadáver".
Mas nenhum cadáver foi mais belo que Sid Vicious. Se sobrevivesse a 1979, poderia acabar na cadeia, pelo assassinato da namorada, dias antes da overdose fatal.
Vicious não sabia tocar e só armava brigas, nos shows dos Sex Pistols. Mas isso era Sex Pistols, banda que berrava: "não há futuro". Sem ter feito muito, o punk sem futuro virou símbolo.

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