São Paulo, segunda-feira, 18 de abril de 1994
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Década de 90 ainda nem começou a mostrar a cara

ANDRÉ FORASTIERI
ESPECIAL PARA A FOLHA

Década de 90 ainda nem começou a mostrar sua cara
Até aí tudo bem. Está cheio de religiões bizarras pelo mundo, e dá até para argumentar que o papa é uma mula. Depende do que você acha do mundo em que vive. Também está cheio de grupos que pregam o preconceito como algo que vem dos céus.
O buraco, como de costume, é mais embaixo. Sempre que as coisas se enrolam, a primeira saída do ser humano é apelar para algo primitivo. Já disse um gênio aí que "toda questão complexa tem uma solução simples e errada". Há profundas razões antropológicas para o aparecimento de uma coisa como a Nação do Islã –é uma reação ao "embranquecimento" da classe média negra americana, tem a ver com a redescoberta das raízes culturais africanas etc. etc.
Dane-se. Também tem profundas razões para a faxina étnica na Bósnia, para os rolos na África do Sul, para os massacres cotidianos no Brasil e tal. Nem por isso vamos achar tudo muito natural e bacana. Respeitar tudo que todo mundo "oprimido" faz é coisa de débil-mental.
Esperávamos bem mais desses anos 90. Mas é da natureza do século essa obsessão com a velocidade dos acontecimentos. "Eu quero tudo e eu quero agora" é o lema não-dito da nossa civilização. Quando tinha doze anos, eu tinha certeza que até os 40 faria uma viagem turística à Lua, senão Marte.
Por isso, e porque essa década está meio confusa mesmo, é que já tem gente querendo acabar o jogo e começar outro. A coisa mais interessante e preocupante que ouvi a respeito da morte de Kurt Cobain foi de um cara de uma banda: "Para mim, a década de 90 acabou".
Como toda década que se preza, a de 90 começou e terminará sem obedecer a anos que acabem em zero. A década de 90 como conceito está só começando a deslanchar. Desconfio que a coisa vai esquentar mesmo depois de 95. Não por causa de qualquer possível presidente brasileiro (até quando vamos ficar esperando esses salvadores da pátria resolverem nossos problemas?) e sim porque a contagem regressiva para o ano 2000 vai impor um senso de fim e de recomeço. Vai ser a hora de se livrar das velhas amarras e dos velhos problemas, e começar a equacionar uma série de novos embaços. E adivinhe para qual geração essa trabalheira vai sobrar?
Estamos no começo de uma aventura. Não sei e ninguém sabe exatamente como lidar com esses novos desafios. Mas não é simplificando os problemas complexos. Não é excluindo da aventura quem é diferente da gente. E, não é abandonando o jogo no começo do primeiro tempo.

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